Os indígenas estão cada vez mais presentes nos ambientes urbanos. Embora o velho esteriótipo, alimentado pelo desconhecimento, veja a vida nas aldeias como o único modelo para os povos originários. Cerca de 2,2 mil pessoas que se auto declaram indígenas moram em Belém do Pará, por exemplo, de acordo com os levantamentos mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os motivos e as circunstâncias para deixar seus locais de origem e buscar centros urbanos são diversos e podem estar relacionados a questões de ordem ambiental, fundiária e cultural. Essa mudança tem relação também com políticas afirmativas, como as cotas no ensino superior, que estimulam jovens de várias etnias a buscarem qualificação e garantem o acesso a cursos superiores e profissionalizantes.

Os dados do censo do IBGE indicam que, em 2022, a população indígena no Brasil chegou a quase 1,7 milhão de pessoas. Isso representa um aumento de 89% em relação ao número registrado em 2010. No Estado do Pará, o número de indígenas também cresceu significativamente, com um aumento de 58,1% no período.

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Profissionais liberais como engenheiros, arquitetos, médicos e professores são essenciais para tratar de todas essas pessoas dentro das comunidades, e por que não ter alguém da própria comunidade ocupando esses papéis? Esse é o futuro que o amazonense Israel Hixkariano, de 36 anos, almeja: "Quero me formar e voltar para minha terra, para cuidar do meu povo."

O amazonense Israel Hixkariano com a família, em Belém: sonho de se formar em Arquitetura e ajudar seu povo, na aldeia Kassawá.
📷 O amazonense Israel Hixkariano com a família, em Belém: sonho de se formar em Arquitetura e ajudar seu povo, na aldeia Kassawá. |( Reprodução/ Redes Sociais )

Na Amazônia Legal, que inclui todos os estados do Norte, a população indígena praticamente dobrou, passando de 432 mil em 2010 para cerca de 870 mil em 2022, destacando a necessidade de mais profissionais indígenas.

Estudante do terceiro semestre de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Pará (UFPA), Israel pertence à etnia Hixkariana e é natural de Nhamundá, no Estado do Amazonas, que faz divisa com o Pará. Em Belém, ele mora de aluguel com sua esposa e duas filhas, recebendo apoio de sua família, que vive na Aldeia Kassawá, no mesmo município, e complementa a renda com a venda de artesanato.

Nas instituições de ensino superior, Israel é considerado uma resistência e também uma mudança no perfil da comunidade universitária.  Basta observar as estatísticas: segundo dados do IBGE, em 2021, os indígenas representavam 0,5% do total de estudantes do ensino superior no Brasil, ou seja, pouco mais de 46 mil pessoas. De acordo com o Censo Demográfico de 2022, os indígenas representam 3,3% dos mais de 1,4 milhão de pessoas que se identificam como indígenas no país.

Presença nas universidades cresce 

Os números, embora "pequenos", mostram a entrada de cada vez mais povos originários na educação superior. Para se ter uma ideia, em 2023, o número de alunos indígenas no ensino superior cresceu 374% entre 2011 e 2021, segundo um levantamento do Instituto Semesp. Em abril de 2023, o Pará registrou 1.233 estudantes indígenas nas universidades.

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“Recebo apoio dos meus familiares lá da aldeia e vendo peças de artesanato aqui em Belém para complementar a renda”, conta Israel.

Arte e renda: escada par ao futuro

Artista de mão cheia, Israel costuma, com frequência, fazer exposições de sua arte na UFPA, em grandes eventos realizados no Hangar e também no Museu Emílio Goeldi e todos os domingos na Praça da República.

Israel Hixkariano, artesão de mão cheia: venda ajuda na renda para se manter na cidade
📷 Israel Hixkariano, artesão de mão cheia: venda ajuda na renda para se manter na cidade |( Reprodução/ Redes Sociais )

Como muitos estudantes, Israel enfrentou dificuldades nos primeiros anos de faculdade. Um dos maiores desafios, segundo ele, foi o idioma falado em Belém. Sendo parte da família linguística caribe, a adaptação ao português foi complicada no início, mas vem melhorando, tanto que a entrevista foi conduzida sem problemas.

Seu objetivo é concluir a formação e voltar para sua terra natal, para trabalhar, seja na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) ou em órgãos federais voltados para políticas públicas em prol dos povos originários.

Médico sonha em cuidar do próprio povo

Já formado, Txekewe Hixkaryana, de 40 anos, também da etnia Hixkaryana, concluiu a faculdade Medicina. Hoje ele atua como médico em uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBF) na Vila Guajará, zona rural de Cachoeira do Piriá, no nordeste do Pará, vivendo e ganhando experiência no mercado de trabalho.

📷 Txekewe Hixkaryana, inspiração para seu povo, vive o sonho de exercer a Medicina |( Reprodução/ Redes Sociais )

Formado há três meses, Txekewe teve uma longa trajetória em busca de estudo e conhecimento: ele iniciou seus estudos na Comunidade Estrada Juruá, no Alojamento de Padre Emílio, em Nhamundá, fez o ensino médio no município amazonense de Parintins e concluiu a educação básica em Belo Horizonte. Posteriormente, passou na Faculdade de Medicina da UFPA, onde se formou.

Ele conta que está gostando da experiência e, assim como Israel, seu maior sonho é cuidar de seu povo, no Amazonas. "Senti uma emoção de alegria, mas logo que comecei a trabalhar, experimentei um pouco de medo e nervosismo, que deixei para trás. Como te disse, meu sonho é trabalhar com meu povo Hixkaryana", afirmou.

📷 Txekewe: longa trajetória até chegar ao diploma de médico |Reprodução

Para alcançar esse objetivo, Txekewe aguarda uma vaga que pode surgir por meio de um Processo Seletivo Especial, realizado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), vinculada ao Ministério da Saúde, ou pela Funai. Ele já teve experiência anterior com Saúde Indígena, atuando como intérprete em sua aldeia, agora, ele está prestes a assumir o papal principal, desempenhando a Medicina na terra indígena.

"Indígenas não estão fora da sociedade"

secretária de Estado dos Povos Indígenas do Pará (Sepi), Puyr Tembé, comenta sobre o atual panorama para as nações originárias. “A gente quer o desenvolvimento do país, desde que também os povos indígenas sejam ouvidos, que os povos indígenas também tragam suas contribuições, sejam as tradicionais ou técnicas, mas que os indígenas podem ajudar nesta contribuição. Onde tem falta de políticas públicas, compromete toda uma sociedade e os povos indígenas fazem parte disso. Eles não estão fora da sociedade", diz.

“Nós temos quase 81 mil indígenas no Pará, segundo os dados do IBGE. E aqui também tem uma diversidade que protege, que valoriza, que assegura, que faz uma versão da nossa cultura viva”, afirma.

📷 Secretária estadual dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé |( Marco Santos/Agência Pará)

Puyr Tembé é liderança indígena do povo Tembé Tenetehara do Alto Rio Guamá. Foi presidente da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa), é cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), organizadora da Marcha das Mulheres Indígenas, entre outras frentes de atuação do ativismo pela causa indígena. No Estado, foi coordenadora do Projeto Raízes da antiga Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos.

É uma diversidade de pessoas, de culturas, de costumes e tradições, e, claro, acho que o maior papel para os povos indígenas em fazer a nossa tradição, a sua diversidade, é passar de geração para geração, é a importância de uma cultura viva, a nossa identidade viva.

Puyr Tembé, Secretária Estadual dos Povos Indígenas do Pará

Equipe DOL Especiais:

Lucas Contente é repórter do portal DOL. Nascido na cidade de Muaná, na Ilha do Marajó, e criado desde os nove anos em Belém, é formado  em Comunicação Social - Jornalismo desde 2023 pela Faculdade Estácio FAP.

Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.

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