Abuso sexual em coletivos públicos é qualquer tipo de comportamento de natureza sexual não consensual que ocorre em meios de transporte público, como ônibus, trens, metrôs ou vans. Esse tipo de abuso pode incluir assédio verbal, gestos obscenos, contato físico indesejado, apalpação, exposição indecente, entre outros. É uma violação dos direitos e da dignidade das vítimas, que geralmente são mulheres.

Nas últimas semanas, Belém registrou uma série de casos de abuso em transportes públicos, muitos dos quais foram relatados e, em alguns casos, até filmados por vítimas ou testemunhas. Yasmin de Sousa, de 21 anos, é uma das vítimas e relatou que sofreu importunação sexual enquanto estava sentada em um ônibus da linha Ananindeua-Presidente Vargas.

Um homem, ainda não identificado pela polícia, sentou ao seu lado e, aproveitando que a jovem tinha uma mochila no colo, tocou as partes íntimas dela. Assustada, Yasmin reagiu de forma exaltada, de imeditado. Outras passageiras pediram para o motorista não abrir a porta, mas o agressor conseguiu forçar a saída após insistência. O episódio foi gravado, o que deve ajudar as autoridades na identificação do homem.

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Outras mulheres que estavam no coletivo pediram ao motorista para não abrir a porta, mas, após várias tentativas de fuga, o homem forçou a porta e conseguiu que o motorista a abrisse.

Outros passageiros que estavam no veículo registraram a situação em vídeo, o que ajudará a justiça na identificação do homem.

Yasmin relatou que após o ocorrido está com dificuldade de andar de ônibus, mesmo que precise usar o coletivo todos os dias: “No momento do assédio eu me senti frustrada, envergonhada e no momento da fuga dele, impotente. Agora estou evitando ao máximo andar de ônibus, apesar de ser difícil”.

A vítima também falou da importância da ação das autoridades nesses casos e sobre a conscientização dos profissionais que trabalham no coletivo e até da própria população.

“Implementar leis que forcem as empresas de transporte público a realizarem cursos para os motoristas e cobradores saberem o que fazer nesses momentos, além disso, tentar reformular a lei da importunação, pois a pena é tão pequena que o abusador consegue burlar e às vezes nem é preso”, disse Yasmin.

A jovem compareceu à delegacia e registrou um boletim de ocorrência; com o auxílio do vídeo, a polícia está tentando identificar o assediador.

Medo de entrar em ônibus depois do abuso

Outra vítima foi Jhullyele Santos, de 22 anos, que relatou como sofreu assédio dentro do coletivo. “Eu estava voltando da academia, quando peguei um ônibus lotado, na parada do Shopping Castanheira, eu subi no ônibus e fiquei ao lado de um cara, que estava com uma mochila na mão, passou uns 10 minutos e eu senti o toque do homem na minha parte intima", contou.

"Pensei que ele estava com a mão na cadeira, se segurando para não cair, mas, quando eu senti o toque dele novamente, olhei para baixo e percebi que não tinha o porque a mão dele estar lá. Tomei um susto e com muito medo pedi para ele tirar a mão, o homem tirou, mas eu acho que ele ficou com medo de apanhar e desceu do ônibus”, acrescentou.

Jhullyele disse que sentiu muito medo e não conseguiu reagir, após o ocorrido se sentiu muito mal: "me senti vulnerável e culpada, senti que era minha culpa de estar lá, e senti medo de denunciar e ganhar uma posição negativa das pessoas do ônibus e me culparem pelo assédio. Tenho ansiedade e logo depois do ocorrido eu comecei a ter uma crise, senti muita falta de ar e não consegui ficar dentro do ônibus e desci logo depois”.

"Tentava falar me tremia e não saia minha voz"

Ela até hoje sente medo da situação se repetir. “Ainda tenho muito medo de andar de ônibus lotado, não consigo me sentir em paz, além que depois do ocorrido eu fiquei com gagueira, não consegui falar por um mês, e toda vez que tentava falar me tremia e não saia minha voz direito. Até hoje estou com dificuldades na fala quando eu fico nervosa”.

Diariamente, mulheres enfrentam situações de abuso em transportes públicos, e muitas pessoas não sabem como agir nessas situações. As jovens destacaram a importância de criar uma campanha de conscientização voltada para todos os usuários do transporte público.

Acho essencial falar mais sobre esse assunto, além de criar palestras sobre denúncias. Muitas mulheres, e eu me incluo nisso, têm muito medo de denunciar na hora, de falar do que está acontecendo, ficamos com vergonha da situação, então deveríamos ter conversas sobre como denunciar.

Jhullyele Santos, Vítima de importunação sexual

Vídeo:

Ajuda profissional para tratar o trauma

A psicóloga Laís Campos destacou a importância de buscar tratamento após sofrer importunação sexual, seja em transportes coletivos ou em qualquer outro local. “A depender do histórico familiar, da sua predisposição genética, exposta a algum tipo de trauma, a algum tipo de situação de abuso, essa pessoa pode vir a desenvolver um medo exacerbado, que a gente pode estar falando das fobias", explica.

Ela detalha ainda que as vítimas podem desenvolver crises de ansiedade e problemas relacionados à depressão. "Porque eu passo por isso, eu, por exemplo, não posso comprar um carro ou a minha vida é um fracasso. Então, a pessoa vai trazendo e agregando aquela situação a outras mazelas. Foi um gatilho para desenvolver medos fobias, ansiedade, depressão, síndrome do pânico. A depender do histórico, pode tomar uma proporção realmente inimaginável que pode realmente marcar de uma forma muito profunda a vida de uma mulher”, relatou a profissional.

Psicóloga Laís Campos: é preciso denunciar.
📷 Psicóloga Laís Campos: é preciso denunciar. |Reprodução

Muitas mulheres têm dificuldade em reconhecer que sofreram assédio, o que pode ser extremamente prejudicial. Esse atraso na percepção pode levar a um agravamento dos sintomas de trauma e estresse, dificultando a busca por ajuda e suporte adequado. A negação ou minimização da experiência, geralmente, resulta em sentimentos de culpa e vergonha, além de aumentar a vulnerabilidade a problemas psicológicos como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Reconhecer e validar a experiência de assédio é crucial para o processo de recuperação e para a busca de tratamento e apoio psicológico apropriados.

“Às vezes a mulher não tem entendimento disso que ela está vivendo nesse momento. É importante que, se ela se sentiu violada de alguma forma, que ela perceba e entenda que aquilo ali de fato aconteceu. Imagina que você sofreu ali uma ferida, que você sofreu algum tipo de buraco e você não cuidou. Aquilo ali pode até amortecer, mas já te deformou de alguma forma. Você pode não falar, se não quiser mexer, mas aquilo ali já deformou você, aquilo ali já te transformou em alguma esfera, sabe?", explicou. 

É importante que você busque auxílio psicológico dentro de um contexto seguro, dentro de um contexto onde você de fato vai ser ouvida, vai ser amparada, vai receber o tipo de orientação correta. Às vezes, a gente vai falar as nossas dores com pessoas que não as validam.

Laís Campos, Psicóloga

Vidas alteradas

A vida de uma mulher que sofre importunação sexual ou qualquer outro tipo de violência no transporte público pode ser profundamente alterada. Quando ela reconhece o ocorrido, mas não busca ajuda adequada, as consequências para sua vida podem ser ainda mais severas.

“Quando você fala sobre algo que o seu cérebro entendeu, que isso aconteceu comigo aqui nesse local, no transporte público, então teu cérebro já cria uma associação. Aquilo ali vai estar afetando a tua vida, o seu desenvolvimento. Isso pode marcar a vida profissional, a vida estudantil, os relacionamentos dessa mulher. É algo que afeta realmente em níveis não apenas comportamentais, não apenas emocionais, mas afeta a vida prática da mulher que passou por esse tipo de situação”, ressaltou Laís Campos.

A psicóloga também destacou a importância de as mulheres se apoiarem mutuamente e formarem uma rede de suporte dentro dos coletivos, para prevenir que essa prática se torne um problema recorrente. “As mulheres precisam se ajudar, desenvolver uma cultura de ajuda, de suporte, uma cultura de rede de apoio, uma cultura de proteção, não uma cultura do medo", defendeu. 

Rotina difícil: superlotação e falta de ações efetivas para combater os abusos
📷 Rotina difícil: superlotação e falta de ações efetivas para combater os abusos |Reprodução

A ausência de informações e de segurança dentro dos transportes públicos intensifica o medo, especialmente para quem já foi vítima. Além disso, a falta de políticas de prevenção e de apoio psicológico adequado nas empresas de transporte contribui para a sensação de impotência das vítimas.

Laís pondera ainda que é preciso mais campanhas educativas e de treinamento para motoristas e funcionários sobre como identificar e lidar com situações de assédio. O ambiente de transporte público muitas vezes não oferece um espaço seguro para que as mulheres se sintam protegidas e apoiadas.

"Quanto mais você denuncia mais você informa para o sistema político, e para o nosso governo, que isso é um problema, uma demanda que tem crescido e precisa de uma ação,” finalizou ela.

Importunação sexual no Pará

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), entre janeiro e julho de 2024, foram registrados 19 casos de importunação sexual em transportes públicos no estado. Esse número representa uma redução de 20% em comparação ao mesmo período de 2023, quando 24 ocorrências foram contabilizadas. Ao longo de 2023, no total, 31 casos de importunação sexual foram registrados.

Para combater o problema, a Segup, por meio da Diretoria de Políticas Públicas e Prevenção Social (DPS), realiza campanhas contínuas de conscientização, incentivando a população a denunciar.

Os casos de violência e importunação sexual contra mulheres não se restringem apenas ao transporte coletivo, como os ônibus. Uma pesquisa recente, conduzida pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, com apoio da Uber, revelou que 71% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência enquanto se deslocavam pelas cidades. O estudo, realizado em nove capitais e divulgado na última sexta-feira (13), entrevistou mais de 4 mil mulheres.

Equipe Dol Especiais:

Thayná Coelho é repórter do portal Dol. Ela é formada em Jornalismo pela Faculdade de Estudos Avançados do Pará, mãe de uma menina e gosta de escrever sobre Saúde, Entretenimento e Política.

Mayra Monteiro é paraense e atua como repórter no DOL e assessora de comunicação. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Estácio FAP, é apaixonada por ouvir e contar histórias, assim como aprender e compartilhar experiências".

Thiago Sarame é profissional multimídia do portal Dol, artista visual atuando na internet, TV e Publicidade e Propaganda. Ele também é estudante do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará (UFPA.

Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.

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