A fachada da loja de antiguidades de Marcus Elgrably, no bairro do reduto, em Belém, lembra a nostalgia de uma casa de avó, convidando os visitantes a um espaço permeado pelo aroma do passado. Este charmoso estabelecimento, instalado em um imponente casarão da tradicional família Koury, não só abriga objetos históricos, mas também carrega consigo a rica história de seu proprietário, com 36 anos dedicado ao comércio de antiguidades e há 16 anos como administrador do local.
Na entrada do casarão, uma estátua de São Miguel dá as boas-vindas aos visitantes, e ao cruzar a porta principal, somos transportados para o século XIX, onde um sofá em tom rosê adornado com detalhes dourados nos espera. Ao lado dele, uma cristaleira repleta de peças refinadas contrasta com uma mesa de canto que suporta um elegante porta-jóias de jacarandá, com detalhes em prata, decorado com o brasão português. Marcus conta que Dom Pedro II costumava encomendar esses objetos para presentear seus visitantes.
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Parei para admirar os detalhes por alguns instantes antes de seguir para o segundo ambiente da loja, onde uma mesa de banquete de madeira europeia e bronze, com doze lugares, se destacava. Sentei-me e foi impossível não imaginar as reuniões e jantares que já ocorreram ali.
Tudo isso sobre um tapete paquistanês, riquíssimo em estampas. Suas tramas intricadas pareciam contar histórias e ele repousava sobre um piso de azulejos antigos, que, mesmo desgastados pelo tempo, ainda mantinham a beleza de seus dias de glória.
O acervo, cuidadosamente coordenado por Marcus, é fruto de sua paixão por encontrar peças únicas do século XIX. Esses objetos, disponíveis para venda, surgiram da vontade do proprietário de colecionar relíquias. “Eu não apenas vendo, eu respiro e vivo tudo isso”, afirma.
Enquanto eu apreciava o ambiente clássico, Marcus, em um gesto de cortesia, me ofereceu café servido em uma delicada xícara de porcelana oriental pintada à mão, decorada com delicados azulejos azuis. A xícara, por si só, era uma obra de arte, provavelmente da primeira metade do século XIX.
Enquanto eu apreciava o café com biscoitos de maizena, ele começou a compartilhar a história da loja, iniciada de forma humilde, com Marcus vendendo objetos antigos na Praça da República aos finais de semana. Foi a partir das demanda dos clientes que ele decidiu se instalar em um local fixo, tornando o novo espaço em um verdadeiro templo de objetos antigos e valiosos.
Durante a nossa conversa, a campainha tocou. Era o correio, trazendo uma encomenda especial: um vaso de opalina, com mais de 100 anos, pintado à mão, que Marcus havia arrematado em um leilão por R$ 8 mil reais. Ele abriu a caixa com a expectativa de quem desvela um tesouro. O vaso era de uma delicadeza impressionante, os detalhes da pintura pareciam flutuar sobre o vidro opalino, emanando uma harmonia e riqueza atemporal. A felicidade de Marcus era evidente: “Estava ansioso por essa encomenda. Foram quase 40 minutos disputando por ele”, disse, com os olhos brilhando de tanta alegria.
Enquanto ele admirava o vaso, meus olhos foram atraídos por uma geladeira de madeira da década de 40, encostada em um canto. A máquina era utilizada para manter os alimentos frescos apenas com o uso de gelo e sem o uso de eletricidade. Tentei imaginar as mãos que a abriram ao longo dos anos, as famílias que dependiam dela em uma época onde as inovações contemporâneas ainda eram um sonho. Cada peça naquele espaço parecia carregar um pedaço da vida de quem as possui, uma memória aguardando ser redescoberta.
Na loja nostálgica, é possível encontrar objetos e móveis variados, com preços que variam de R$ 30 a R$ 20.000.
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A Paixão pela História
Uma das clientes fiéis do antiquário é Wanda Luczynski, de 78 anos, procuradora de Justiça aposentada. Para ela, a busca por itens do passado transcende a nostalgia e se torna uma paixão pela arte, especialmente do período clássico. Wanda acredita que cada peça antiga narra uma história: “A partir da história, podemos projetar o futuro. A arte é o esforço para criar o belo e, ao estudarmos essas peças, compreendemos a época em que foram criadas e o que motivou seus criadores.”
Wanda enfatiza que a história, o material e o estado de conservação são cruciais na escolha dos itens. Com carinho, recorda quando seu amor por antiguidades começou: “Encontrei um samovar de prata e um cusquenho sem assinatura em uma feira de antiguidades no Shopping Center Iguatemi, em São Paulo. O samovar sempre me intrigou, sendo mencionado em obras de grandes escritores russos.”
Embora cada item tenha seu valor único, um prateiro feito em pau-mulato possui um significado especial para Wanda, que o utiliza para guardar copos de cristal, além de uma cristaleira em cedro feita na França, que abriga lembranças de um querido amigo já falecido. “Esses itens são inestimáveis para mim”, afirma.
Além de sua paixão pelas antiguidades, Wanda dedica parte do seu tempo a escrever crônicas memorialistas e planeja lançar um livro no futuro.
A Estética Vintage na Decoração
A nostalgia é uma característica marcante da decoração vintage, amplamente utilizada no design de interiores. Netto Rego e Robison Barbosa, designers de interiores e proprietários do antiquário NR Casas, buscam mesclar o luxo do passado com a exclusividade contemporânea, criando espaços autênticos e acolhedores. Netto explica que a decoração vintage não é restrita a uma época específica; ela pode ser adaptada para refletir gostos pessoais e harmonizar o antigo com o moderno. “Elementos antigos trazem personalidade e autenticidade aos projetos, equilibrando a frieza do contemporâneo com a riqueza da história”, afirma.
Robison ressalta que a demanda por peças de antiquário está crescendo na arquitetura e no design. “As peças antigas, como uma poltrona Luís XV, são exemplos de design clássico que trazem um valor inestimável aos ambientes”, diz. Ele observa que a crescente busca por autenticidade e história nas decorações enriquece os espaços de maneira sofisticada e sustentável.
Apesar da experiência e do olhar apurado dos profissionais, criar um equilíbrio visual sem sobrecarregar o ambiente continua sendo um desafio. “É fundamental harmonizar proporções, cores e materiais para que elementos clássicos e contemporâneos se complementam”, acrescenta.
Dicas para Iniciantes
Para aqueles que desejam começar a incorporar peças vintage em suas casas, Netto e Robison oferecem conselhos práticos: “Inicie com itens menores, como objetos decorativos ou luminárias, que se integrem ao espaço sem grandes mudanças. Escolha peças que refletem seu gosto e história, priorizando qualidade. Com o tempo, adicione móveis maiores, sempre buscando harmonia com o restante da decoração. Lembre-se de que vintage é um estilo, e a antiguidade pode agregar valor a todos os estilos.”
Equipe DOL Especiais:
Brenda Hayashi é repórter do portal Dol desde janeiro de 2022 e também coleciona discos de vinil. Apaixonada por antiguidade e apreciadora de músicas das décadas de 1960 a 1990, ela gosta de escrever sobre assuntos relacionados à moda, beleza, entretenimento e cultura.
Emerson Coe é profissional multimídia do portal Dol e produziu fotos e vídeos para estar reportagem. Ele ilustrador com mais de 30 anos de carreira, é cartunista e quadrinista. Com participações e prêmios em exposições internacionais, destaca-se por sua arte crítica e seu envolvimento em projetos de humor gráfico mundial.
Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.