Carmen Perez: Educação é fundamental no manejo de animais
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A pecuarista Carmen Perez, que também é colunista da revista “Forbes”, falou em entrevista para a revista Agropará sobre sua trajetória neste setor, levando sua Fazenda Orvalho das Flores (Barra do Garças, MT) a se tornar uma referência na pecuária de corte, fruto do seu trabalho em saúde e bem-estar animal. Recentemente, a fazendeira chegou a lançar o documentário “Quando Ouvi a Voz da Terra” - disponível no Youtube -, em que registra sua jornada por fazendas localizadas em São Paulo, Mato Grosso do Sul e ainda, na Fazenda Marupiara, em Paragominas, no Pará, compartilhando seus conhecimentos e encontrando inovadoras práticas de manejo neste setor.

Em seu documentário você diz que viu coisas que a incomodavam, principalmente no manejo, quando tornou-se dona da Fazenda Orvalho das Flores. Que coisas eram estas?

Quando fui para a fazenda, não tinha formação técnica na área, mas já tinha convivido muito. E a partir do momento que a gente pega um negócio, uma gestão, assume isso, o olhar é totalmente diferente. A melhor forma de olhar a fazenda, quando possível, é a cavalo, então todo dia ia para a maternidade montada e via os manejos. Era algo muito bruto, as vacas sendo muito reativas e era o que eu conhecia, um ambiente muito pesado. Eu não entendia a razão de cada vaqueiro ter um pau na mão, o porquê eles laçavam o bezerro e ele vinha sendo arrastado, comia terra, e a vaca vinha na mesma intensidade, agressividade, que eles estavam esperando por ela e que ela esperava deles. Nesse momento pensei “não é possível trabalhar assim”. O manejo no curral também era dessa forma. A densidade de animais presos, naquele calor, era um em cima do outro, muitos animais se machucavam. Os vaqueiros também se machucavam e eu não queria um trabalho que eu amava feito de forma tão bruta, tanto entre os homens como os animais.

Como descobriu que dava para fazer diferente? Onde buscou essa informação?

Eu também visitei muitas fazendas, e todas eram igual a que eu tinha assumido. Mas, logo quando comecei a namorar meu marido, ele falou “vamos comigo visitar a Fazenda São Dimas”. Ela fica em São Miguel do Araguaia (GO), o dono era o Helvécio Argeu [falecido em 2017], um autodidata que foi fazendo sozinho essas mudanças, um trabalho diferente. O meu marido foi comprar gado e vacas, e eu fiquei ali surpresa quando vi aquele manejo, completamente diferente, de uma forma que eu não conhecia, os animais muito mansos e tudo feito com muita calma, todo mundo falava baixo no curral. O entrosamento entre vaqueiros e animais era muito grande. Nós nos sentamos em frente às vacas paridas, na cadeira, conversando enquanto elas passavam na nossa frente, algo inimaginável pra mim. Foi a minha descoberta de que dava pra fazer diferente.

Eu chamei o Mateus Paranhos [professor da Unesp de Jaboticabal, zootecnista, pós-doutor em bem-estar animal], para fazer uma visita à fazenda e a partir disso o que ficou claro pra mim é que a educação e cultura eram fundamentais. As pessoas faziam daquele jeito porque não sabiam fazer diferente, não entendiam as implicações daquele modo de fazer. Por exemplo, elas sempre tocavam por trás os animais, não sabiam que os animais não estavam enxergando e isso criava uma reação ruim. Então, um passo importante foi entender como os animais enxergam essas ações e os comportamentos. O segundo passo, mais desafiador, era fazer uma mudança de cultura, de tradição, que vem de tantas gerações de avô para pai e então para o filho. Eu acredito muito que para esse processo é fundamental a constância de tudo isso, dessa educação, conscientização.

Essa resistência diminuiu ou ainda está forte ?

Houve uma evolução muito grande. Até mesmo pelo mundo que a gente vive, tão dinâmico, transformador, com meios de comunicação muito intensos e rápidos. Isso é facilitador e também educador. As pessoas estão mais conectadas, mais conscientes. Quando a gente fala de boas práticas de produção, o bem-estar animal surge como elemento central desse contexto. Meu termômetro são os vaqueiros que a gente contrata. Até pouco tempo, quando tocava no assunto durante a entrevista de emprego, a resposta comum era ‘nunca ouvi falar disso’. Hoje, mesmo que não conheça a técnica, já escutou falar, está familiarizado. Então acho que tem mudado muito sim. Claro, existem alguns resistentes, mas acredito que, de forma geral, a cadeia produtiva esteja mais aberta.

Essas mudanças são importantes para os trabalhadores?

Eu sempre começo falando isso, os maiores beneficiados serão as pessoas. Primeiro, por trabalhar em segurança, correndo muito menos riscos no dia a dia, e também em termos de produção. Quando você tem um manejo calmo, toda essa parte produtiva melhora. Você tem ganho de peso, aumento de índices reprodutivos e queda nos índices de mortalidade, o que é muito fácil a gente entender, afinal um animal estressado, um corpo estressado, a resposta fisiológica é o stress, e essa resposta é baixa imunidade, a própria capacidade de ingerir o alimento, a água. Então sempre falo que fazer as boas práticas é um ciclo de ‘ganha-ganha’. O professor Paranhos fala como o animal é elemento fundamental para a sustentabilidade, como tem muitas questões ligadas ao bem estar animal, isso desde que nasce até quando é abatido. E a nível nacional e internacional, a gente fala de imagem. Qual a marca que a cadeia produtiva quer deixar? Que a gente faz as coisas de forma responsável, começando pelo respeito como um todo?

E como foi a sua experiência no Pará?

Eu fiquei tão apaixonada pelo Pará, que fui em julho [de 2021] para gravar o documentário, ainda não conhecia, e voltei em janeiro de férias (risos). Eu fiquei muito encantada com a região, eu já conhecia o Acre e Rondônia, mas o Pará foi paixão à primeira vista. Cheguei em Belém, o Mauro Lúcio foi buscar a gente e seguimos de carro até a fazenda, eu já impressionada com a densidade da vegetação. Eu saí do Mato Grosso, onde as pastagens estavam esturricadas, tempo seco, e de repente chego naquele verde em abundância, o tamanho das matas nas estradas, os rios que atravessam e aquele clima do Pará que está sol, e a gente nem percebe já começa a chover. E depois disso, a fazenda dele também me surpreendeu em vários aspectos. Me falavam que 80% dela era reserva florestal, outros 20% que eram áreas produtivas, e compreendi porque ele tem tanto sucesso nesses 20%. É uma gestão muito eficiente, baseada em indicadores de resultados produtivos, e ele tem muito essa fala de que a gente tem que fazer o melhor trabalho possível nessa área produtiva para garantir a preservação dos outros 80%. O Mauro é exemplo de muito sucesso, toda essa preocupação social, com a equipe, de educação, de treinamentos, ele tem uma fazenda muito completa nesse assunto.

Imagino que ainda esteja em busca de aprimorar, certo?

A gente sempre está em processo evolutivo, nunca chega no ponto final. É um aprendizado constante, dessa parte social, ambiental. E os processos nunca não são tão rápidos quanto a gente deseja. Mesmo essa produtividade, é algo de muito investimento. Eu tenho muitos projetos da parte social também em desenvolvimento, entendo quando tem famílias envolvidas em um trabalho, que a gente tem uma comunidade. A gente pode ser mais ativo na educação das crianças, por exemplo, tendo apoio dentro da fazenda. O importante é que estamos num caminho para uma evolução.

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