Estudos evolutivos a partir do DNA das espécies já são conhecidos desde meados dos anos 1970, com as primeiras técnicas para leitura de material genético. Com uma sequência de letrinhas (algumas centenas ou milhares de pares de bases, dependendo do fragmento do DNA em questão), é possível identificar a origem e relações de parentesco das espécies, isto é, montar suas "árvores genealógicas".

O que não é tão novo assim é o emprego dessas ferramentas para o estudo de organismos já extintos, uma vez que o material genético é facilmente degradado no processo de fossilização.

O advento de novas ferramentas de sequenciamento genético, contudo, ajudou a mudar esse cenário. Com o aprimoramento de técnicas para recuperar, isolar e analisar fragmentos de DNA antigo preservados, surge a área conhecida como arqueogenética. Nesta técnica, a extração é feita a partir da destruição dos ossos, gerando um pó que depois é purificado para conseguir obter o DNA de interesse.

Veja também:

"Essas abordagens tornaram possível sequenciar genomas antigos inteiros, expandindo o alcance geográfico e temporal das espécies das quais o DNA pode ser analisado e até mesmo tornaram possível caracterizar ecossistemas completos usando DNA preservado em sedimentos", explica Beth Shapiro, bióloga evolucionista e professora do departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade da Califórnia em Santa Cruz.

Shapiro atuou, nos últimos 20 anos, com o processo de extração de plantas e animais extintos na última Era Glacial, como o mamute-lanoso, e foi recentemente contratada pela empresa Colossal Biosciences com o objetivo de trazer de volta à vida espécies já extintas, como o dodô, a partir da inserção de seu DNA em organismos atuais.

Segundo ela, algumas das descobertas das últimas décadas com DNA antigo incluem o conhecimento do cruzamento de espécies antes consideradas distintas, como ursos pardos e ursos polares, e a detecção de que mais de 93% do genoma neandertal persiste em populações modernas de hoje -este último estudo rendeu ao cientista sueco, Svante Pääbo, do Instituto Max Planck, o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2022.

Mas especialistas vêm usando a arqueogenética também para compreender a história de organismos não tão antigos assim, como povos primitivos das Américas, ou ainda espécies que se extinguiram recentemente devido à degradação ambiental.

Foi pensando nisso que pesquisadores da USP montaram o primeiro laboratório de DNA antigo do Brasil. A universidade concentra hoje dois laboratórios onde são empregadas técnicas para extração e análise de material genético antigo ou hDNA (de histórico).

André Strauss, coordenador do Laaae (Laboratório de Arqueologia e Antropologia Ambiental e Evolutiva) do Museu de Arqueologia e Etnologia da universidade, busca compreender quatro linhas distintas de pesquisa: a origem dos primeiros americanos, a migração pelo litoral, os povos tradicionais da Amazônia e os do norte do Peru.

"A arqueogenética é um exemplo clássico de uma ideia que parece óbvia, mas que na prática é bem difícil de fazer funcionar. As técnicas que utilizamos levaram anos para serem aprimoradas, porque o DNA antigo é 'podre', então as técnicas tradicionais de sequenciamento não funcionam", diz.

Para isso, as técnicas empregadas são de destruição de fragmentos de fósseis humanos encontrados nessas regiões, como ossos e dentes, até obter um pó, que aumenta a área de superfície disponível para "pegar" o material genético.

"Basicamente, temos um DNA que fica suspenso no líquido e esse líquido é usado para fazer a extração, amplificação [técnica que produz um maior número de cópias do DNA para a leitura] e sequenciamento genético", diz. A principal dificuldade aqui é manter o material isolado de possível contaminação humana, por isso são seguidos protocolos rígidos de segurança biológica -como nos laboratórios onde são estudados vírus e bactérias.

Já a outra frente de estudos com DNA antigo na USP busca compreender como a ação humana e a fragmentação de habitat podem impactar espécies endêmicas de animais.

No Laboratório de hDNA do Departamento de Zoologia da USP, coordenado pelo professor Taran Grant, é feita a extração do material genético de anfíbios preservados em coleções científicas há algumas dezenas até centenas de anos. Neste caso, não é o tempo de conservação do material que conta, como nos fósseis, mas sim a preservação inadequada.

"A preservação ideal do DNA é em álcool 95%, ou seja, com uma concentração elevada de álcool e pouca água, e depois mantido em freezers de -20 °C a -70 °C. Mas a maioria dos exemplares nas coleções foi primeiro fixado em formol [concentração baixa de formaldeído] e depois preservado em álcool 70% [alta concentração de água] em temperatura ambiente e, nessas condições, o DNA está em situações bem precárias, porque a água degrada o material genético e o próprio formol induz modificações na cadeia de DNA", explica. "Por essa razão, as técnicas tradicionais de sequenciamento não funcionam."

O uso dos equipamentos e técnicas empregadas na arqueogenética permitem extrair o máximo de material genético destes exemplares já degradados para responder, essencialmente, a duas perguntas: a diversidade dos anfíbios e as mudanças temporais nas populações que podem ter levado à extinção de espécies.

Ele cita o caso de um sapinho diminuto endêmico da mata atlântica, conhecido popularmente como rã-foguete (Allobates olfersioides). Tradicionalmente, os cientistas consideravam as diferentes populações como uma única espécie em toda a sua área de distribuição. "Quando você olha as diferentes populações de Allobates, eu não consigo diferenciá-las morfologicamente. Mas chegamos ao resultado de pelo menos 12 espécies distintas, várias delas já extintas, usando os dados de hDNA de exemplares preservados em museus."

Um exemplo é a população originária da Floresta da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, e que era considerada uma subespécie de A. olfersioides. Mas nenhum indivíduo de rã-foguete foi visto na Tijuca desde a década de 1970. "Agora, sabemos que era uma espécie distinta, A. carioca, e que foi provavelmente extinta por destruição do habitat."

Para ele, os estudos sendo feitos com DNA antigo podem ajudar a entender como as ações humanas e, mais recentemente, as mudanças climáticas, podem impactar as diferentes espécies na natureza. "Primeiro, precisamos resolver essas questões da taxonomia [delimitação de espécies]. Compreendendo melhor essa diversidade passada e a atual podemos, então, planejar o futuro para proteger a biodiversidade que ainda existe."

MAIS ACESSADAS