O exercício do consumo sustentável vai além da observação do produto que se consome, mas passa também pela forma como ele foi produzido, por quem foi produzido e os impactos gerados tanto pela sua produção, quanto por sua comercialização. Em uma residência localizada na travessa Lomas Valentinas, 1126, em Belém, a loja da Rede Bragantina de Economia Solidária é um exemplo de como as populações tradicionais e os agricultores familiares, organizados, podem caminhar juntos em busca da promoção de uma produção e de um consumo mais responsável.

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O desafio do trabalho depois dos 60 anos

Foi a partir de uma demanda dos próprios trabalhadores que surgiu a iniciativa de atuação em rede. Durante um momento de formação e qualificação, os próprios agricultores apontaram a vontade e a necessidade de uma organização que possibilitasse a venda coletiva dos produtos produzidos por cada família. Criada há 14 anos com esse e outros princípios, a Rede Bragantina de Economia Solidária hoje reúne cinco municípios, envolvendo de 15 a 20 comunidades quilombolas e integrantes da agricultura familiar tradicional. “Esses agricultores produzem para o autoconsumo e o que vai para a venda é o excedente da produção”, explica a engenheira agrônoma da Rede, Nazaré Reis Ghirardi. “Historicamente, esse excedente para a venda sempre esteve ligado a uma cadeia de atravessadores, mas, em um momento de formação em que nós estávamos fazendo uma série de cursos para fazer a transição ecológica, trouxeram essa demanda onde fosse possível vender coletivamente e se tivesse mais agregação de valor aos seus produtos”.

Foi com esse olhar, que a rede começou a entender e tentar entrar nesse processo de organização da produção e de também de transformação dos produtos. Para que a comercialização em rede seja possível, os produtores dos cinco municípios organizados destinam suas produções para a sede da rede, no município de Santa Luzia do Pará. É lá, também, que a rede mantém uma agroindústria comunitária, onde os produtos podem ser beneficiados e padronizados, para serem levados para a comercialização em Belém. “Aqui em Santa Luzia do Pará, a base da produção da agricultura familiar é a farinha de mandioca, porém, também têm outros produtos em menor escala, como o urucum, o gergelim, frutas que ainda são desses quintais tradicionais dessas comunidades”, explica Nazaré.

Dentro desse processo, além de resgatar e fortalecer algumas culturas tradicionais que já estavam quase se perdendo, a rede também se qualificou para buscar uma produção responsável e pautada na agroecologia. “Esse trabalho tem todo o fundamento da organização social dos agricultores para a transição para a agroecologia, para que se deixe uma agricultura de corte e queima, e introduzir uma prática de agricultura que vai fazer o manejo e conservação de solo, que vai usando insumos dentro da própria propriedade, como o adubo orgânico”, aponta a engenheira agrônoma. “Fizemos esse trabalho até chegar a um produto final com essa qualidade agroecológica que não considera só o produto em si, mas todas as pessoas que estão por trás desses produtos. São saberes que vinham se perdendo, que vinham sendo abandonadas devido à grande massificação de produtos industrializados”.

Dentro da perspectiva de possibilitar o aumento da diversificação da produção pelas famílias em suas propriedades, outra frente de atuação da rede é fazer com que esses produtos sejam levados para comercialização, diretamente pelas mãos dos produtores. Foi assim que surgiu a loja instalada em Belém e gerenciada pelo próprio coletivo para a venda dos produtos produzidos pela rede. “Estamos falando de uma transição ecológica, de transição sociocultural e também de uma transição econômica organizativa, onde entra a comercialização direta”, resume Nazaré.

Gerente da loja da Rede em Belém, Maria Lúcia Reis lembra que, quando foi iniciado, o espaço se restringia a uma prateleira onde era exposta a produção de mel da rede. Com o tempo, porém, as demandas foram se ampliando. Hoje, além dos produtos, a comunidade também pode consumir alimentos produzidos com os cultivos da rede no local. “Trabalhamos essa agricultura sem corte, sem queima e sem veneno no sentido de resgatar a cultura alimentar do nosso povo. A loja temos há mais de 10 anos. Começamos só com uma prateleira com mel, mas, como estamos localizados do lado de uma clínica, começaram a perguntar se não vendíamos café e fomos ampliando”.

Além dos produtos produzidos pela própria Rede Bragantina, Maria Lúcia explica que, às quartas-feiras, a loja também recebe a feira de orgânicos produzidos por outra associação de produtoras do município de Santo Antônio do Tauá. Como critério fundamental para a celebração da parceria, está a constatação de que a forma de atuação das produtoras de Santo Antônio do Tauá está alinhada com a forma de atuação adotada pela Rede Bragantina, centrada em uma produção responsável e orgânica.

Produtora agrícola no município de Santo Antônio do Tauá, Maria do Carmo Furtado Mateus conta que ela e outras quatro produtoras familiares se deslocam do município até Belém toda semana para comercializar suas produções. Entre os produtos cultivados pelas agricultoras, estão a alface, o cheiro-verde, a rúcula, o agrião, o jambu, chicória, mastruz, manjericão, batata-doce, mamão, banana, pupunha, entre outros. Maria do Carmo explica que o caminho que as levou à produção orgânica foi traçado há 16 anos. “O meu pai começou a trabalhar com a produção com agrotóxicos porque, na época, ele não conhecia outra forma. Mas uma vez um professor da Ufra (Universidade Federal Rural da Amazônia) foi lá com a gente e perguntou se nós não queríamos passar para a produção orgânica”, lembra a agricultora. “A gente disse que queria, mas não sabia como produzir. Mas com ajuda e incentivo nós fomos, de pouquinho em pouquinho, e conseguimos sair do agrotóxico já há 16 anos. Lá na associação tem uns 70 agricultores, mas que trazem a produção para cá para Belém somos cinco mulheres”.

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A possibilidade de conhecer as histórias por trás dessas produções, como no caso das agricultoras de Santo Antônio do Tauá e das comunidades quilombolas e de agricultores familiares que integram a Rede Bragantina, é valorizada pela professora Simone Moura, 38 anos. Ela conta que a partir do nascimento da filha, ela e o esposo passaram a observar com mais cuidado a procedência dos alimentos que eles levavam para casa, valorizando cada vez mais a produção orgânica. “A minha filha tem cinco anos e desde que ela nasceu e começou a introdução alimentar, a gente passou a consumir orgânicos. A gente tem essa preocupação mesmo na nossa vida de buscar esse consumo consciente e acredito que a chegada da minha filha foi o principal fator para a gente impulsionar isso nas nossas ações”, considera, ao destacar que a possibilidade de saber que a renda destinada à compra dos produtos é passada para organização social e comunitária é outro diferencial importante a ser considerado no momento da decisão de consumo.

“Eu acho que isso é um dos fatores que mais me impulsiona a continuar vindo porque, enquanto mulher, enquanto professora, enquanto mãe e enquanto feminista eu acho que todas essas ações são importantes. Eu acredito muito que nós somos agentes de transformação do mundo e essa é a minha forma de tentar contribuir com um mundo melhor para minha filha e para muitas outras pessoas no futuro”.

Foto: Reprodução

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