O feriado do dia 07 de setembro marca um episódio extremamente relevante para a história do Brasil, mas que não causou efeitos imediatos em todo o território nacional. A partir da declaração da independência, em 7 de setembro de 1822, o Brasil deixou de ser uma colônia de Portugal para se tornar, oficialmente, o ‘Império do Brasil’, sob o comando do seu primeiro imperador, Dom Pedro I.
Porém, a desvinculação entre Brasil e Portugal não ocorreu de forma homogênea, já que algumas províncias resistiram a aceitar a independência e se posicionaram contra o recém-criado Governo Imperial do Brasil. Entre elas, a então Província do Grão-Pará.
Para compreender como tudo isso ocorreu, o doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro, adianta que é preciso refletir sobre a história oficial e a memória que se criou da Declaração da Independência ao longo dos 202 anos decorridos.
Apesar de a Independência ser geralmente associada à imagem ilustrada pela tela ‘Independência ou Morte’, pintada pelo artista Pedro Américo em 1888, o historiador alerta que a famosa imagem de Dom Pedro às margens do riacho do Ipiranga declarando a Independência é fruto de uma construção que se queria fazer sobre a imagem de Dom Pedro.
“Inclusive, esse quadro foi encomendado pelo filho de Dom Pedro I, por Dom Pedro II, como uma forma de homenageá-lo. E há toda uma encenação, uma montagem e ali se construíram várias imagens sobre a Independência do Brasil”.
Amilson Pinheiro destaca que, entre essas construções, se queria atrelar Dom Pedro a uma ideia de heroísmo, daí ele estar representado montado em um cavalo. Uma segunda ideia estimulada pela história oficial a partir dessas construções é de que a Independência teria ocorrido de forma pacífica, porém, o que hoje a historiografia observa a partir das pesquisas realizadas é que houve uma perspectiva bem diferente dessa levantada pela história oficial.
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“A Independência do Brasil não se deu através desse consenso, houve, na verdade, guerras de independência, houve conflitos, houve disputas não só de interesses, como batalhas mesmo que levaram à construção de um longo processo. Então, o 07 de setembro é um ponto dentro de um longo caminho que se construiu esse processo da Independência”.
O contexto que antecedeu o episódio do dia 07 de setembro ajuda a entender o processo de Independência. Ainda que já houvesse a ocorrência de vários movimentos anteriores, como a própria Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, a perspectiva da independência se tornou mais concreta a partir de 1808.
Foi naquele ano que, fugindo das tropas do Imperador francês Napoleão Bonaparte que invadiram Portugal em razão do descumprimento da determinação de não manutenção de relações comerciais com a Grã-Bretanha, a Família Real e a Corte portuguesa se mudaram para o Brasil, inicialmente para Salvador, que foi a primeira capital da colônia brasileira, e depois para o Rio de Janeiro.
“É a partir daí que o tão sonhado projeto de independência que se tinha aqui na América portuguesa começa a ser concretizado porque, a partir de então, a sede do Império português não mais passou a ser Lisboa, mas passou a ser o Rio de Janeiro e isso mudou muito essas relações de poder”.
FAMÍLIA
A partir da presença da Família Real no Brasil, inicia-se um processo de modernização do Rio de Janeiro, iniciado por Dom João e intelectuais da época. É nesse momento que é fundado, por exemplo, o Banco do Brasil; também é neste momento que o Brasil passará a ter universidade e, especialmente em 1810, Dom João decide fazer a abertura dos portos do Brasil às nações amigas, permitindo a comercialização com outras nações e não somente com Portugal, como ocorria antes.
Mais à frente, em 1815, outro fato importante é registrado. O Brasil é elevado à condição de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Ou seja, a partir de 1815 o Brasil é reconhecido não mais colônia, mas como um reino que faz parte de Portugal e Algarves. Essa e outras mudanças vão gerar um impacto nas relações do Brasil com Portugal.
“Os portugueses passaram a ver o Rio de Janeiro e o Brasil muito protagonistas em relação à Lisboa e a Portugal. E isso vai gerar uma série de debates em Lisboa, que vai culminar com um ano que vai ser muito importante para nossa Independência, o ano de 1820”, relaciona Amilson Pinheiro.
A partir de agosto e setembro de 1820 ocorre a Revolução Constitucionalista do Porto, em Lisboa, Portugal, que tinha um caráter liberal e que era baseada, entre outras, na ideia de que os governos deveriam ser orientados e ter uma constituição própria.
O historiador Amilson Pinheiro lembra que até aquele momento Dom João tinha uma característica de um rei absolutista, mas, a partir desse episódio deputados e senadores em Portugal começam a pressionar pela adoção de uma constituição e, mais do que isso, pelo retorno do já rei Dom João VI para Portugal.
“Muito pressionado, o Dom João VI volta para Portugal, mas deixa o seu filho, o Príncipe Regente, Dom Pedro, aqui no Brasil e aí surge uma polarização para essa população que estava no território brasileiro no sentido de saber de quem seguir orientações, de Lisboa ou do Rio de Janeiro”.
Dia do Fico
Naquele período, o território que hoje compreende o Brasil era formado por várias Capitanias – o que, após a Declaração da Independência, passariam a ser chamadas de Províncias – e não existia ainda uma unidade ou um sentimento de nacionalidade brasileira. Nessa polarização, as capitanias do Sudeste e Sul do Brasil eram mais ligadas ao Rio de Janeiro; e as capitanias do Nordeste e do Norte vão ficar mais ligadas à Lisboa até mesmo por uma maior facilidade de comunicação com Lisboa, do que com o Rio de Janeiro.
“Nesse mesmo interim, as cortes constitucionais de Lisboa pressionam Dom Pedro, o Príncipe Regente que ficou aqui no Brasil, a voltar para Portugal porque eles tinham medo de que Dom João VI morresse e o seu sucessor estivesse no Brasil”, pontua o professor.
“Até que no início de 1822 chegam cartas informando que se tiraria o poder do Dom Pedro no Brasil, destituindo-o do seu cargo de regente. É quando, muito pressionado pela corte constitucional e também por aqueles que queriam que o príncipe ficasse e começasse a construir uma ideia de independência, Dom Pedro sobe no Paço Imperial, na Praça 15 de novembro, no Rio de Janeiro, e diz aquela famosa frase em que ele diz que vai ficar no Rio de Janeiro, o que ficou conhecido na história como o Dia do Fico”.
Dom Pedro fica no Rio de Janeiro e o entrave com Lisboa permanece, até que ainda em 1822 chegam informações de que as cortes portuguesas pretendiam retirar todas as prerrogativas conquistadas pelo Brasil até então e dar início a um processo de recolonização do Brasil. Quando essas correspondências chegam ao Brasil, o Príncipe Regente, Dom Pedro, está em viagem a São Paulo e ele só recebe as notícias no caminho de volta para o Rio de Janeiro.
“Quando ele está voltando de São Paulo chega um emissário com essas correspondências mandadas pela Princesa Leopoldina, esposa de Dom Pedro, que tinha ficado no Rio de Janeiro, informando todas essas medidas que as cortes portuguesas estavam tomando de querer recolonizar o Brasil, inclusive”, aponta.
“É nesse momento que se cria essa representação de que ele fica aborrecido com essa correspondência que ele recebe no meio do caminho e, às margens do riacho do Ipiranga, ele fala ‘Independência ou Morte’. Essa é uma narrativa que o próprio Dom Pedro vai construir depois”. Já de volta ao Rio de Janeiro, Dom Pedro só é aclamado como Imperador pela população no dia 12 de outubro de 1822 e sua coroação como Imperador do Brasil se dá em 01º de dezembro do mesmo ano.
Adesão do Pará ocorre quase um ano depois
Apesar disso, essa Independência do Brasil acontece basicamente no Sudeste, nas capitanias de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro que vão aderir à independência logo de imediato. Mas isso não ocorre em todo o Brasil. “Há uma elite de comerciantes, militares, políticos portugueses muito forte em determinadas capitais de algumas capitanias que vão resistir e não vão acatar esse projeto de Independência do Rio de Janeiro. Começam, então, as Guerras de Independência”, apresenta o historiador Amilson Pinheiro.
“Os principais lugares que vão resistir a acatar essa Independência são principalmente o Nordeste e o Norte. No Nordeste, quem resiste é Salvador, Piauí e o Maranhão. E no Norte, a mais conhecida é a resistência no Grão-Pará, em Belém, que vai também estar ligadas a essa resistência das elites ligadas aos interesses portugueses e que não vão aceitar, de nenhuma forma, a Independência naquele momento”.
Norte
No que se refere ao Norte, o professor explica que havia no Grão-Pará, historicamente, uma forte relação da população com Lisboa. Havia muitos portugueses em Belém e essas pessoas, muitas vezes, estavam ocupando os principais cargos políticos. Esse cenário, naturalmente, vai levar a um grande processo de resistência dessas elites econômicas e políticas.
Em meio a esse contexto, Felipe Patroni chega a Belém, uma figura importante que começa a disseminar a ideia do liberalismo, sendo responsável pelo surgimento do primeiro jornal da província do Grão-Pará, o jornal O Paraense, que vai acabar fazendo uma oposição à Junta Provisória que havia se estabelecido pelas elites portuguesas na tentativa de manter o vínculo do Grão-Pará com Portugal.
Essas tensões entre a elite paraense que defendia a adesão à independência e a elite portuguesa que desejava manter o vínculo direto com Portugal foram impactadas, ainda, pela pressão do próprio Brasil para que o Pará aderisse à independência. A tal Adesão do Pará à Independência ocorre quase um ano após a Declaração da Independência do Brasil, já no dia 15 de agosto de 1823, em outro episódio da história lembrado pela ocorrência de um feriado.