Os impactos dos problemas gerados pela mobilidade urbana em Belém são sentidos diariamente por quem precisa se deslocar na cidade, seja em veículo próprio ou, e principalmente, no transporte público.

Basta sair de casa em praticamente qualquer hora do dia para correr o risco de se deparar com um longo congestionamento que, não raro, se forma sem um motivo aparente que o justifique, seja um acidente ou uma obra na pista, por exemplo. Diante deste cenário, é enorme o desafio de solucionar os problemas da mobilidade urbana em Belém.

Mestra em Engenharia de Transportes, a diretora da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal do Pará (UFPA), professora Regina Célia Brabo Ferreira, considera que hoje o cenário da mobilidade urbana em Belém é complicado, o que é evidenciado por problemas rotineiros enfrentados pela população. “Belém vive uma crise de mobilidade urbana, assim como várias cidades brasileiras, fruto de diversos fatores, dentre eles o desequilíbrio entre a oferta (infraestrutura viária) e a demanda (número de veículos/passageiros), que são comprovados pelos problemas de congestionamentos, acidentes de trânsito, baixas condições de deslocamentos nos transportes públicos, falta de estacionamento etc.”.

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No que se refere ao número de veículos, dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), levantadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que a frota de Belém chegou a 533.014 veículos em 2023. Sendo que as categorias com a maior participação no número total foram a de automóveis, com 247.863 veículos registrados, e a de motocicletas, com 159.124 veículos deste tipo na capital.

Quando comparado com os dados de dez anos antes é possível observar um grande aumento. Em 2013, Belém tinha 373.846 veículos, quase 160 mil a menos do que os 533.014 registrados em 2023. Especialmente no caso das motocicletas, o aumento foi de quase 80 mil veículos na comparação entre 2013 e 2023.

Mas, para além da relação entre oferta e demanda, a professora Regina Brabo considera que os problemas de mobilidade enfrentados pela população em Belém são agravados pela própria configuração que a cidade apresenta. “As situações que evidenciam a crise de mobilidade em Belém se agravam por conta da sua configuração urbana, onde o centro urbano se localiza em uma ponta margeada pelo rio e não no centro geográfico da cidade, fazendo com que os deslocamentos rodoviários sejam por um único sentido”, avalia. “Os estudos apontam que neste caso deve-se incentivar o uso do transporte público, implantar terminais de integração, para que possa reduzir o número de veículos nas vias e reduzir os congestionamentos”.

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Apesar de se apresentar como uma importante solução para o problema, o transporte público encontrado pela população na capital acumula problemas que vão desde o número insuficiente da frota para atender a demanda em horários de pico, até a falta de estrutura e conforto mínimo. Com isso, torna-se cada vez mais difícil incentivar a troca do automóvel particular pelo ônibus. Pelo contrário, o que se observa no dia a dia é que muita gente tem buscado meios de trocar o transporte coletivo por algum outro meio. “Desta forma, cada vez mais os problemas estão aumentando, e necessitam de ações urgentes. Porém, os problemas de transportes passam por questões que ultrapassam a infraestrutura, como a educação, conscientização e segurança. As ações devem envolver todas essas áreas para que o resultado seja eficaz, e isso demanda tempo”, reforça Regina Brabo, ao considerar as consequências podem surgir no futuro próximo, caso o cenário permaneça o mesmo. “As consequências são o aumento no tempo de viagem e menor produtividade urbana com o tempo perdido nos deslocamentos. Seria necessário fazer melhorias no transporte público, incentivo a modos não motorizados como a bicicleta e transporte a pé, e sobretudo, garantir a segurança do usuário”.

O uso da bicicleta como principal meio de transporte é capaz de contribuir não apenas com a melhoria da mobilidade nas cidades, mas, sobretudo, com a redução das emissões de Gases de Efeito Estufa e, ainda, com a saúde do usuário. Apesar dos benefícios, quem pedala pela cidade de Belém conhece bem as dificuldades enfrentadas cotidianamente.

A diretora financeira do Coletivo ParáCiclo e conselheira regional da União de Ciclistas do Brasil (UCB), Ruth Helena Ferreira da Costa, usa a bicicleta em praticamente 100% dos seus percursos pela cidade. Do bairro de Águas Lindas, onde ela mora em Belém, são 22 Km até o Complexo do Ver-o-Peso e sempre que ela precisa fazer o percurso, ela vai pedalando. “Eu já pedalo há 30 anos, mas eu comecei a discutir mobilidade por bicicleta em 2015 e de lá para cá a gente teve um aumento significativo de pessoas que começaram a usar a bicicleta como meio de transporte”, considera. “Em 2019, quando a gente fez uma contagem de ciclistas, a gente identificou que mais de 60% dos trabalhadores da Constituição Civil usavam a bicicleta como meio de transporte. Com a precariedade do transporte público, a gente vê, a olho nu, que aumentou muito o número de ciclistas nas ruas”.

Em outra ação de contagem de ciclistas realizada pelo Coletivo ParáCiclo na esquina da avenida José Bonifácio com a avenida Conselheiro Furtado, Ruth conta que foram contabilizados mais de 5 mil ciclistas naquele único ponto, em um único dia. Apesar do grande volume de ciclistas em Belém, a ativista avalia que a própria cidade não é estruturada para acolher quem pedala. “Quem estrutura a cidade precisa priorizar a mobilidade ativa. No Brasil inteiro e a gente sempre escuta a mesma coisa, que as cidades priorizam o veículo motorizado”, considera.

“Está lá no código brasileiro de trânsito que, no trânsito, o maior protege o menor, mas a estrutura não protege o ciclista, a estrutura prioriza o carro. Se por acaso abrir um buraco no meio da avenida Almirante Barroso, no outro dia a Prefeitura vai mandar fechar, mas a ciclovia da Almirante Barroso tem grades pontiagudas e quebradas no meio da ciclovia há 10 anos. Então, a gente precisa de respeito por parte dos condutores de veículos motorizados, mas a gente precisa de infraestrutura de um modo geral”.

Ruth avalia que, desde que ela própria passou a adotar a bicicleta como principal meio de transporte, mais ciclovias foram criadas na cidade. Porém, ela destaca outro problema central, a falta desse tipo de estrutura nas periferias, onde vivem um volume considerável de pessoas que utilizam a bicicleta como transporte. “Tivemos um aumento significativo da malha cicloviária de Belém, mas muito centralizada ainda, sem ligar a periferia com o centro. E a gente sabe que a maioria das pessoas que usam bicicleta como meio de transporte em Belém se deslocam das periferias para o centro para trabalhar”.

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