O Governo do Estado fará tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) fiquem sem o atendimento do hospital Anita Gerosa, no município de Ananindeua. A afirmação é da secretária estadual de Saúde, Ivete Vaz. Como mostrou o DIÁRIO, o Anita Gerosa decidiu suspender totalmente o atendimento hospitalar a partir do próximo 26 de janeiro, devido aos sucessivos calotes do prefeito de Ananindeua, Daniel Santos.

A Prefeitura recebe o dinheiro do SUS para pagar os serviços do hospital, com o qual mantém um convênio. Mas esses pagamentos vêm ocorrendo com atrasos de até seis meses, segundo o portal da Transparência. O fato agravou ainda mais a situação do hospital, já às voltas com a defasagem do valor dos recursos do SUS.

Até o último dia 26, diz o portal da Transparência, a Prefeitura ainda não havido pagado ao hospital os serviços dos meses de agosto, setembro, outubro e novembro deste ano, e nem as verbas do SUS para o pagamento do piso nacional dos profissionais de Enfermagem, dos meses de novembro, dezembro e 13º. Além disso, segundo uma fonte do hospital, também não pagou R$ 390 mil pela utilização de leitos de UCI (Unidade de Cuidados Intensivos), em todo o ano passado. Assim, é possível que o calote já chegue a quase R$ 3,4 milhões.

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Mas a determinação do Governo Estadual de garantir o atendimento do Anita Gerosa mudará essa situação. Na última segunda-feira (23), dirigentes do hospital estiveram reunidos com a Sespa, a secretaria estadual de Saúde. E a alternativa proposta é que a Sespa realize um convênio para contratar os leitos da maternidade e da UCI do hospital, com recursos do SUS. Assim, esse dinheiro deixaria de estar sob o controle da Prefeitura e a população da cidade, especialmente a mais pobre, continuaria a acessar esses serviços.

No entanto, a Sespa precisará de pelo menos 90 dias para colocar em prática essa solução. Mas o convênio com a Prefeitura acabará em 26 de janeiro, e o hospital já avisou que não pretende renová-lo. Mesmo assim, os diretores do hospital teriam ficado “mais tranquilos” após a reunião. E um novo encontro já está agendado para 8 de janeiro.

ATRASOS

O xis da questão, segundo uma fonte do hospital, é que o atual convênio com a Prefeitura de Ananindeua se tornou “insustentável”. Além de não existir qualquer complementação financeira da Prefeitura, os recursos, que são totalmente federais, não são reajustados há 20 anos. Uma situação que piorou muito com os constantes atrasos de pagamento. A fonte confirmou informações do DIÁRIO de que esses atrasos começaram em 2022, no segundo ano da administração do prefeito Daniel Santos.

Mas disse que a situação se tornou “mais alarmante” a partir de janeiro do ano passado. “Em 2023, chegamos a ficar 4 meses sem receber nada do município. Quando os pagamentos foram retomados mensalmente, ficou uma bola de neve para trás, que até hoje não foi regularizada”, relatou. Segundo a fonte, nas administrações anteriores a Daniel, os serviços eram pagos, geralmente, dentro de 60 dias.

Em nota, o hospital informou que o seu déficit mensal é de R$ 800 mil, “valor este que deveria ter o financiamento feito pela Prefeitura. Sem isso, torna-se inviável a continuidade da prestação dos serviços”. Hoje, esse déficit é custeado pela Sociedade Beneficente São Camilo (SBSC), a mantenedora do Anita Gerosa. A entidade lamentou “o que está por acontecer” e disse que “foram feitas todas as tentativas de aproximação com a Prefeitura para evitar essa tomada de decisão”. Mas que, apenas no sábado (21) é que “pela primeira vez” a Prefeitura procurou o hospital, para agendar uma reunião. O Anita Gerosa confirmou que “encerrará” os atendimentos hospitalares a partir de 26 de janeiro: só permanecerão os serviços ambulatoriais (consultas e exames), mas para pacientes particulares e conveniados. Disse que isso levará à demissão de cerca de 150 funcionários e que já comunicou a rescisão do convênio a todas as autoridades de Saúde.

Prefeitura desmente o próprio portal da Transparência

Em meio à preocupação que tomou conta da população de Ananindeua com a ameaça de suspensão do atendimento do Anita Gerosa, a Prefeitura negou que deva dinheiro ao hospital. Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) garantiu que os pagamentos do hospital estão em dia e que já somam, neste ano, mais de R$ 9,357 milhões. Afirmou, ainda, que, no último 6 de dezembro, pagou ao Anita Gerosa “exatos R$ 649.978,35, relativos ao repasse normal do mês”. Mas o portal da Transparência da própria Prefeitura mostra que isso não é verdade. Coisa que, aliás, qualquer cidadão pode conferir: basta olhar as Notas de Empenho (NEs) e as Notas Fiscais (NFs) que estão lá.

Segundo o portal, boa parte dos pagamentos da Prefeitura ao hospital, em 2024, foram de serviços do ano passado. Em janeiro e fevereiro deste ano, a Prefeitura não pagou nada ao hospital. E de março a maio pagou os serviços de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2023.

Em junho, começou a pagar os serviços de 2024, quitando o mês de janeiro. E o pagamento do último 6 de dezembro, citado pela Sesau, não foi do “repasse normal do mês”: foi de serviços realizados em julho deste ano. É isso o que mostram a NE 013694 com a NF 20240021053; a NE 013696 com a NF 202400221074; a NE 013697 com a NF 20240021068; a NE 013699 com a NF 20240021057; e a NE 013701 com a NF 20240021049. Todos são documentos oficiais. E que não podem ser adulterados, sob pena de essa história deixar de ser de calote e passar a ser de investigação criminal.

Como a Prefeitura pagou cerca de R$ 650 mil pelos serviços de julho, é possível estimar que a dívida dos quatro meses ainda não pagos (de agosto a novembro), esteja em R$ 2,6 milhões. E como a verba do SUS para o pagamento do piso nacional de Enfermagem é de cerca de R$ 130 mil mensais, os atrasados do piso de novembro, dezembro e 13º devem chegar a uns R$ 390 mil. Mas uma fonte do hospital disse que a Prefeitura também deve R$ 390 mil dos leitos de UCI (Unidade de Cuidados Intensivos), relativo ao período entre janeiro de 2023 e fevereiro deste ano, quando eles foram retirados do convênio pela Prefeitura.

Então, tudo somado, os débitos totais já alcançariam quase R$ 3,4 milhões. Mas as dívidas consideradas “vencidas” (as que têm mais de 60 dias de atraso) são de cerca de R$ 2 milhões, já incluídos os leitos de UCI, disse a fonte. Segundo o Diário Oficial do Município de Ananindeua, de 28/03/2019, página 12, o convênio da Prefeitura com o Anita Gerosa era de R$ 739.507,36 mensais, ou mais de R$ 8,874 milhões anuais. Mas após retirada dos leitos de UCI, em fevereiro deste ano, esse valor teria baixado para R$ 709.500,00 mensais, ou cerca de R$ 8,5 milhões anuais. É muito menos do que recebe o Hospital Santa Maria de Ananindeua, que foi ou é do prefeito Daniel Santos: só em 2024, até o último dia 21, diz o portal da Transparência, o Hospital Santa Maria recebeu da Prefeitura mais de R$ 19,554 milhões.

Anita Gerosa é a única maternidade 24 horas de Ananindeua e que atende alto risco.

Com mais de 60 anos de atividade, o Anita Gerosa é a única maternidade 24 horas de Ananindeua, cidade com 478.778 habitantes e a segunda mais populosa do Pará, atrás apenas de Belém. É, também, a única maternidade da cidade que atende gestação de alto risco e que possui unidade de cuidados intensivos específica para mamães e bebês.

É, portanto, um hospital estratégico, para os serviços do SUS, e só neste ano realizou mais de 3 milhões de atendimentos e 5 milhões de exames. Mesmo assim, segundo Ivete Vaz, o Governo do Estado precisará de pelo menos 90 dias para garantir a continuidade do atendimento dele. E isso devido às próprias exigências dos sistemas nacional e estadual de Saúde.

Primeiro, a Sespa terá de realizar um estudo de viabilidade técnica e orçamentária, para a contratação dos 64 leitos da maternidade e de 6 leitos de UCI do hospital. E terá, ainda, de obter a aprovação da medida pela Comissão Intergestores Bipartipe do SUS no Pará (CIB/SUS/Pará).

A CIB é formada por representantes da Sespa e das secretarias municipais de Saúde. E é ela quem discute e define, por exemplo, as políticas públicas e as regras de gestão compartilhada do sistema de Saúde estadual.

Além disso, será preciso solicitar ao Ministério da Saúde que esse dinheiro “saia da Secretaria Municipal de Saúde de Ananindeua e caia no nosso teto (o estadual), para que não tenhamos um aumento de despesa”, disse Ivete Vaz.

Ananindeua é uma cidade que possui “gestão plena” do sistema municipal de Saúde. Isso significa que a prefeitura recebe os recursos do SUS “fundo a fundo”: eles saem do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e caem direto na conta do Fundo Municipal de Saúde (FMS).

Com a “gestão plena”, é também a prefeitura quem administra e fiscaliza a aplicação desse dinheiro: é ela quem planeja quanto cada hospital da cidade receberá e para quê. E é ela, também, quem envia o relatório de execução dos serviços para o SUS.

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