Os registros das chamadas ‘batalhas’ com uso de armas de gel são facilmente encontrados nas redes sociais. Nas imagens, grupos de pessoas aparecem disparando bolinhas de gel umas nas outras em encontros organizados dentro de residências ou em vias públicas. Apesar dos vídeos remeterem a uma forma de diversão, o uso desse tipo de equipamento tem preocupado não apenas pelo risco de lesões, mas também do ponto de vista da segurança pública pela semelhança que alguns desses equipamentos podem ter com armamentos reais.
As réplicas de armas funcionam por meio de bateria e disparam bolinhas de gel que normalmente possuem cerca de 8mm e que ficam armazenadas em um reservatório localizado na parte de cima da arma, que na maioria das vezes é colorida. Quando disparadas, as bolinhas se desintegram ao atingir o alvo, mas em alguns vídeos disponíveis na internet é possível observar que quando disparadas continuamente sob um mesmo ponto, as bolinhas chegam a perfurar um papelão. Além disso, já há relatos de usuários que estariam congelando as bolinhas de gel para que endurecessem antes de serem utilizadas.
Apesar de parecerem inofensivas, essas bolinhas podem causar lesões, sobretudo se atingirem os olhos. Diante de casos já registrados em alguns estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, a Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO) publicou um alerta sobre os sérios riscos que esses equipamentos podem oferecer à saúde ocular. O alerta aponta que “as bolinhas de gel, ao serem disparadas com força, podem perfurar o globo ocular, causando ferimentos internos e levando à perda total ou parcial da visão. Além disso, o impacto pode gerar hematomas, inflamações e até mesmo descolamento de retina”.
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O Vice-Presidente Regional Norte da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), Dr Joaquim Queiroz Jr, reforça que, nos casos mais graves, o trauma oculo-palpebral induzido pelas armas de gel podem levar até a cegueira, além de outras possíveis lesões. “Desde hemorragias sub-conjuntivais e lacerações palpebrais nos traumas mais leves, até luxação do cristalino, rotura de coróide, hemorragia vítrea, roturas e descolamento da retina ou perfuração do globo ocular nos casos mais graves, de maior impacto e menor distância do projétil”.
Nos casos em que a bolinha de gel é endurecida por congelamento, o oftalmologista considera que, naturalmente, se atingirem os olhos tais projéteis podem causar mais dor e possivelmente maior dano, considerando-se as delicadas estruturas oculares. Nesse sentido, ele lembra também que as crianças e adolescentes são as maiores vítimas deste tipo de trauma que pode ser evitado. “Qualquer brincadeira que tenha risco de atingir os olhos deve ser evitada. O uso de máscaras de proteção é recomendável quando se fizer necessário e, em caso de acidentes, o oftalmologista deve ser procurado imediatamente”, orienta o Dr Joaquim Queiroz Jr.
SEGURANÇA
Para além dos riscos à saúde, o uso desse tipo de equipamento também tem chamado a atenção dos agentes de segurança pública pela semelhança dos mesmos com armas reais. Apesar de, em sua maioria, essas armas apresentarem uma estampa colorida, existem modelos sendo comercializados com cores preto e verde escuro, que se assemelham em muito a armas reais, sobretudo se vistas de longe. Em uma rápida pesquisa no Google, é possível achar facilmente esses equipamentos sendo vendidos por valores que variam de R$79,90 a R$650. Também no Complexo do Ver-o-Peso, em Belém, já é possível ver vendedores ambulantes oferecendo esses equipamentos que são vistos por muitos como um brinquedo.
Em meio à discussão gerada em torno do uso dessas armas, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) lançou uma nota esclarecendo que essas “réplicas de armas com projéteis de bolas de gel” não são consideradas brinquedos. Exatamente por isso, tais equipamentos não são regulamentados pelo Inmetro. “De acordo com a Portaria Inmetro nº 302, de 2021, esses produtos não são considerados brinquedos. A regulamentação define que brinquedos são produtos destinados ao uso por crianças menores de 14 anos. Portanto, itens que não atendem a essa definição não podem ser comercializados como “brinquedos”, nem ostentar o Selo de Identificação da Conformidade do Inmetro”, esclarece a nota. “Réplicas de armas com projéteis de bolas de gel são semelhantes a equipamentos como airsoft e paintball, regulamentados pelo Decreto nº 11.615, de 21 de julho de 2023, o qual não está sob a competência do Inmetro”.
Equipamentos só podem ser vendidos para maiores de 18
No que se refere à legislação brasileira, o conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA) e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Cesupa, Dennis Verbicaro, explica que é vedada a comercialização de brinquedos ou simulacros de armas de fogo, justamente porque elas podem ser confundidas com armas reais. “O artigo 26 da lei 10.826 de 2003, o Estatuto do Desarmamento, proíbe a venda, fabricação e a comercialização de armas de brinquedo e simulacros de armas de fogo justamente por entender que essa seria uma prática ilícita. Todavia, o porte dessas armas não necessariamente caracteriza a ocorrência de crime.
O crime pode ser caracterizado se, eventualmente, alguém fizer a importação desse produto, passando a ser responsabilizado pelo contrabando, ou se alguém assaltar um banco usando uma arma de brinquedo, passando a ser responsável pelo crime de roubo. Então, na verdade, há uma proibição legal em relação a fabricação e a comercialização que não necessariamente é um crime, o crime vai ocorrer em razão de uma outra conduta que possa, de algum modo, ser realizada também através desse instrumento”, esclarece.
“Não apenas há uma questão de preservação da incolumidade de um modo geral das pessoas, como também há uma proteção específica em relação à criança, ao direito da criança de se desenvolver sem a influência negativa desse tipo de artefato. Então, de fato, há uma proibição legal na comercialização de armas de brinquedo e simulacros de um modo geral”.
O advogado explica, ainda, que o que a legislação proíbe é a fabricação e a comercialização de armas de fogo simuladas, que são armas de brinquedo que simulam armas reais. Entretanto, a legislação prevê a possibilidade de comercializar e de fabricar equipamentos do tipo airsoft ou paintball, armas que permitam participar dessas atividades recreativas, mas desde que elas tenham algumas características específicas.
“Elas têm que ter a borda, elas têm que ter boa parte do equipamento pintado de uma cor vermelha ou laranja justamente para se diferenciar de uma arma real. Mas, nesses casos, inclusive, a venda é restrita a uma determinada faixa etária. Então, há limitações à comercialização”, pontua.
“Em se tratando de simulacros há uma proibição de venda independentemente da idade, mas quando a questão estiver relacionada a esses equipamentos de airsoft e paintball há uma limitação: apenas maiores de 18 anos podem adquiri-los e desde que esses equipamentos sejam vendidos com algumas especificações técnicas como, por exemplo, algumas cores marcantes que diferenciam essa arma de uma arma real”.
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ALERTA
Caso uma pessoa sofra algum trauma ocular causado por disparos de armas municiadas com bolinhas de gel, a recomendação é procurar um serviço de emergência oftalmológica para saber a extensão do dano. Não havendo oftalmologista no local, o Vice-Presidente Regional Norte da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), Dr Joaquim Queiroz Jr, aponta que “lavar os olhos ou fazer compressas geladas podem ajudar a diminuir a quemose (inchaço) provocada pelo impacto do projétil”.