Juntas há sete anos, as geofísicas Rafaela Reis e Mayara Martins sonhavam com uma família grande. Hoje elas têm dois filhos, um de quatro anos e outro de oito meses. Mas o acesso das duas à licença-maternidade integral só aconteceu na gravidez da última criança.
O benefício acessado pelas duas recentemente não está previsto pelas leis trabalhistas vigentes no Brasil, o que restringe a concessão deste tipo de afastamento em uma série de outras empresas no país.
Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que só uma das mães em união estável homoafetiva pode ter direito à licença-maternidade, que é de pelo menos 120 dias. A outra terá afastamento equivalente à da licença-parternidade, de no mínimo 5 dias e, no máximo, 20 o que acontece para empresas cidadãs e funcionalismo público.
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No nascimento do primeiro filho, em 2020, Mayara ficou grávida e tirou a licença-maternidade, enquanto Rafaela conseguiu um afastamento equivalente à licença-paternidade, de 20 dias.
Na gestação do filho mais novo, contudo, o cenário foi diferente. Rafaela, que gestou a criança, teve o acesso à licença-maternidade superior aos 120 dias, e Mayara, que não gestou o bebê, também conseguiu. Em ambas as gestações, o método escolhido para conceber as crianças foi a FIV (fertilização in vitro).
A principal diferença das gestações, para as duas, foi a possibilidade de ambas estarem plenamente ocupadas e focadas apenas no desenvolvimento da criança. "Na licença, a sua única preocupação é aquilo ali. O seu mundo se resume a atender as necessidades do bebê", afirma Mayara.
No total, as duas conseguiram ficar 180 dias em casa afastadas para os cuidados com o filho e, de acordo com elas, esse período foi importante para além do vínculo com a criança. "Conseguimos ajudar uma a outra, promovendo, nos mínimos detalhes, os cuidados básicos", completa Mayara, que reconhece que o caso das duas é, ainda, minoria, principalmente se comparado à experiência de outros casais homoafetivos.
Paulo Renato Fernandes, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio, diz que não há problema a empresa conceder um benefício para além da CLT. "Esses tipos de benefícios podem ser definidos por acordos coletivos de trabalho, por exemplo", afirma.
Tanto Rafaela quanto Mayara trabalham há cinco anos na Petrobras. Em comunicado enviado à Folha, a empresa afirma que a atual licença-maternidade da empresa é de 180 dias.
A companhia diz ter implementado em novembro do último ano a licença para todas as mães cujo benefício não está amparado pela Previdência Social. A iniciativa da empresa ganhou neste mês um prêmio de iniciativas inovadoras, o Think Work Innovations.
"Percebemos que o não reconhecimento formal da função materna, muitas vezes, trazia tristeza e constrangimento. Essas mulheres não se sentiam reconhecidas como mães frente à empresa e percebiam a equiparação com os pais como indevida", diz a nota.
Professora de direito trabalhista da USP (Universidade de São Paulo), Júlia Silva Lenzi afirma que para muitas famílias uma licença-paternidade ancorada em cinco dias não é o suficiente, e definir o mesmo prazo para casais homoafetivos não funciona.
"Essa conversa considera uma família nuclear com as funções paternas e maternas absolutamente divididas, além de ser muito pautado na ideia de que a licença seria para a recuperação do corpo que gesta e depois pare, que é uma concepção biológica muito ultrapassada", afirma a docente.
Hoje, a licença-maternidade está amparada pelo INSS, que define o direito a até quatro meses, em especial para as trabalhadoras autônomas. E, para os casos que dependem do Instituto Trabalhista, esse afastamento pode ser de até seis meses se a empresa fizer parte de programa de empresa cidadã ou do funcionalismo público.
Há um projeto de lei propondo a ampliação da licença-paternidade para até 75 dias. A proposta foi aprovada pela CDH (Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa) em julho deste ano e segue para análise na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
De acordo com a professora, a decisão do STF, apesar de representar um avanço, deixa de fora outras disposições familiares, como casais homossexuais formados por homens, em que ambos teriam acesso à licença-paternidade, apenas. "Então é mais restritivo ainda, porque em tese, apenas um poderia tirar o afastamento", completa Lenzi.
Um exemplo de casal que não se beneficiou com a licença-paternidade para mães não gestantes é o da ginecologista Lorena Jackson. Mãe de um bebê recém-nascido, ela não carregou a gestação, mas fez tratamento hormonal para conseguir amamentar a filha. "Sigo o tratamento para produzir leite, optei por esse processo porque sempre quis ter essa experiência", relata a médica.
Funcionária pública, ela diz que, após a decisão do STF, teve acesso apenas a 20 dias de licença, o que em sua visão não é o suficiente. "Essa decisão mais atrapalhou do que ajudou, porque antes a gente ainda conseguia pleitear a licença-maternidade por meio da judicialização dos casos", afirma.
A decisão abalou Lorena. Desapontada, ela diz ter precisado de ajuda psicológica para lidar com a questão e procurou auxílio judicial para tentar uma extensão da licença. Até o momento, a médica conseguiu mais 15 dias de afastamento por conta da amamentação.
De acordo com a professora da USP, a discussão em alta no âmbito do direito familiar hoje é a da licença-parental, sem a definição dos papeis de gênero e pautada em exemplos adotados por outros países, em que ambos os cônjuges ou responsáveis pela criança teriam a possibilidade de decidir o quanto de afastamento cada um tiraria.
"Existia, sim, o pleito por extensão da licença-paternidade, mas a partir da dinâmica da afirmação dos novos modelos familiares, da perspectiva de que é o afeto que constrói a dinâmica familiar, se preferiu dar destaque para o instituto da licença parental em substituição à divisão dos papéis de gênero", completa Lenzi.