O caso de um jovem brasileiro aprovado em cinco concursos e que utilizava uma ferramenta de Inteligência Artificial (IA) para complementar os estudos ganhou grande repercussão na mídia nacional na última semana e chamou a atenção para a possibilidade de inovar nos métodos de preparação para quem vai se submeter a provas e exames.

Tabelião de Notas e Protesto no estado de São Paulo, Victor Volpe Fogolin, de 23 anos, chegou a ser aprovado em cinco concursos de cartório em diferentes estados. Em preparação já há alguns anos, o tabelião revelou que começou a utilizar o ChatGPT, um chatbot criado pela empresa OpenAI e que funciona como um sistema de conversação que utiliza técnicas de aprendizado da Inteligência Artificial, para complementar os estudos para a prova oral. Segundo revelou, Victor treinava o robô com resumos escritos por ele mesmo e depois pedia que a ferramenta considerasse possíveis perguntas que poderiam ser feitas a partir do conteúdo aprendido.

Em seu perfil no Instagram (@victorfogolin), onde costuma compartilhar conteúdos relacionados aos concursos de cartórios, Victor Fogolin falou brevemente em uma publicação sobre como essa metodologia era utilizada. “Longe de querer ensinar o ChatGPT, o grande segredo é não fazer perguntas diretas, mas conversar com a IA antes, enviando suas anotações e contextualizando. Como aconteceu comigo, a IA pode prever algumas perguntas que o examinador fará. E direcionar seus estudos para temas que você deu pouca atenção”, pontuou, sem deixar de fazer uma observação. “Mas não se iluda, não há robô que supere a constância e o suor humanos”.

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Em outra publicação, de abril de 2023, o jovem compartilhou um vídeo que mostra na prática como ele interagia com a ferramenta. Em um dos casos, Victor escreve para o chatbot: “Você será um membro da banca examinadora de prova oral do concurso de titular de cartório e irá formular perguntas para o exame oral com base nas anotações que te enviarei” e, em seguida, insere o texto de um resumo escrito por ele próprio na ferramenta. A partir daí, o ChatGPT responde: “Com base nas suas anotações, aqui estão algumas possíveis perguntas para o exame oral do concurso de titular de cartório” e apresenta uma lista de possíveis perguntas.

Ainda na publicação, Victor explicou que gastava muito tempo formulando possíveis perguntas de prova oral e, com o ChatGPT, ele conseguiu dar mais celeridade à preparação. “Tenho estudado para as provas orais de titular cartório de SP, SC, GO e TO me colocando no lugar da banca do exame oral. Formulo as questões e depois gravo as respostas que consideraria ideais”, aponta, na postagem. “Então, o ChatGPT ajuda a poupar meu tempo na elaboração das perguntas. Assim, consigo focar mais em treinar as respostas”.

TREINAMENTO

O método utilizado pelo tabelião é possível porque tais ferramentas de IA possuem a capacidade de ‘aprender’, ou de serem ‘treinadas’, à medida que o usuário vai inserindo novas informações. A professora de Inteligência Artificial no Cesupa e coordenadora do Grupo de Estudos em Inteligência Artificial (HAL), Polyana Santos Fonseca Nascimento, explica que a forma como a IA aprende não é muito diferente de como os humanos aprendem. “A IA aprende como nós, através de exemplos: imagine que você está ensinando uma criança a diferenciar um cachorro de um gato. Você não vai explicar para ela a diferença, você mostra várias imagens de cachorros e gatos, dizendo ‘isso é um cachorro’ ou ‘isso é um gato’. Com o tempo, a criança começa a reconhecer padrões nas características dos animais e a distinguir um do outro”, compara.

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Ainda que tal capacidade da ferramenta possa surpreender, a professora faz questão de lembrar que a IA não é perfeita. A sua eficiência dependerá dos comandos dados pelo usuário. Se a pessoa apresentar exemplos confusos ou errados, a ferramenta pode ficar confusa também. “Quanto mais usamos a IA e damos a ela exemplos para aprender, mais proficiente ela se torna em realizar tarefas específicas, como reconhecer pessoas nas fotos das redes sociais, ou criar imagens a partir de palavras. Mas ainda é necessário ter cuidado com a qualidade dos exemplos que fornecemos e estar ciente de que ela pode precisar ser atualizada conforme as coisas mudam ao nosso redor”, atenda a professora, que é mestre em ciência da computação.

“Imagine que a IA é como um espelho, que reflete para nós o que nossos dados dizem. Por isso é tão importante discutir sobre os vieses e preconceitos que nossos registros carregam, pois assim como nós podemos aprender com erros do passado e do presente e ser melhores no futuro, a IA também pode, mas para isso é preciso olhar para os dados de forma crítica e em constante evolução”.

GRUPO

No que se refere à utilização da ferramenta para contribuir com processos educacionais, Polyana Santos aponta que existem diversos estudos e iniciativas que avaliam e desenvolvem metodologias de ensino agregando o uso de IA, mesmo antes de o ChatGPT se popularizar no mundo todo. A professora aponta, ainda, que integra o Grupo de Trabalho sobre Inteligência Artificial - STHEM, SEMESP, METARED, que envolve cerca de 50 pesquisadores de todo o Brasil que estudam o impacto da IA em diferentes áreas como LGPD, acessibilidade, segurança, ética, direitos autorais, impacto da IA nas relações de consumo, discriminação com base em algoritmos, entre outras áreas.

“As pesquisas sendo realizadas hoje no Brasil e no mundo abrangem uma ampla variedade de áreas educacionais, que podem encontrar aplicação desde o ensino básico até o ensino superior, e exploram como a IA pode melhorar a eficácia do ensino e promover uma aprendizagem mais personalizada e engajadora, expandindo o papel de alunos e professores como atores desse processo, explorando os benefícios da IA neste ambiente”.

Durante as atividades desenvolvidas com os seus alunos, a professora aponta que busca incentivá-los a resolverem os exercícios e depois, caso queiram conferir as respostas, inserirem a questão no ChatGPT para comparar as resoluções. “Isso porque o chatGPT não só é capaz de resolver as questões, mas também de explicar as etapas de sua resolução, num momento em que o professor não está disponível para tirar essas dúvidas. Claro, eu também sempre deixo o aviso de que não se pode confiar 100% na resposta da IA. Sugiro que eles duvidem, questionem a IA, façam ela explicar mais detalhadamente, apresentem contraprovas e tréplicas à resposta gerada automaticamente”, exemplifica. “Isso não só faz com que eles aprendam melhor o conteúdo que estamos trabalhando, mas também desenvolvam pensamento crítico, interpretativo, criatividade e inventividade, preparando-os com habilidades importantes para o atual mercado”.

Assim como esse suporte ao aluno, a especialista destaca que a IA também pode ser uma ferramenta útil para os professores. “A IA também consegue dar suporte ao professor, auxilia-lo em tarefas criativas, como elaboração de cenários para questões. Como professora, um dos trabalhos mais demorados era o de criar cenários para questões realistas de aplicação aos alunos, pois os dados devem fazer sentido. Com a IA posso elaborar diferentes propostas de cenários, analogias para explicar melhor alguns conceitos, exemplos relacionados a assuntos familiares e divertidos para eles (como animes, filmes e memes), e isso me ajuda a deixar os conteúdos mais abstratos, mais próximos dos alunos. Além disso, temos ferramentas que permitem extrair insights valiosos sobre o perfil da turma, baseando-se nos registros de respostas deles, identificando pontos de atenção e deficiências de aprendizagem da turma”.

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