Criado em 1947 por renomados cientistas preocupados com as implicações apocalípticas da era nuclear, o Relógio do Juízo Final ajustou seus ponteiros para o nível mais próximo do fim da existência humana. A atualização foi apresentada nesta terça-feira (28).

O mecanismo, atualizado anualmente por 18 cientistas da referencial ONG americana Boletim dos Cientistas Atômicos, fundada em 1945 por Albert Einstein, J. Robert Oppenheimer e outros, está agora a 89 segundos da meia-noite que simboliza o fim da vida no planeta.

Há dois anos, ele se move um segundo da última mexida. Ao ser ajustado, o Relógio sempre reflete os acontecimentos do ano anterior. Nos 90 segundos cravados em 2023, ele fazia referência ao início da Guerra da Ucrânia em 2022.

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"O ponteiro está em seu pior nível porque não vimos progressos em 2024. Há um aumentado risco nuclear, conflitos ativos envolvendo potências nucleares, o ano foi ainda mais quente que 2023 e tecnologias disruptivas como a inteligência artificial seguem se desenvolvendo sem controle", disse Daniel Holtz no evento da atualização, no Instituto da Paz, em Washington.

Ele chefia o painel de especialistas do Boletim que, após duas reuniões anuais, define a mudança no ponteiro. Convidado para falar no lançamento, o ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos, que encabeça o grupo de governança mundial The Elders (os anciões), apontou para um 2025 ainda mais difícil.

Na mira, claro, Donald Trump, o presidente americano que por acaso humilhou o governo de seu país ao ameaçar sanções caso Bogotá não aceitasse aviões com refugiados no fim de semana.

"O fato de Trump ter deixado o Acordo de Paris é grave. Exortamos os outros líderes mundiais a agir", disse sobre a saída dos EUA do tratado que tenta coibir o aumento das emissões de carbono que afetam o clima. A justificativa do republicano para a saída é sua busca por mais dinamismo econômico e sua aposta em combustíveis fósseis.

Outros movimentos agressivos do americano, como a ameaça de retomar o canal do Panamá, também não entram na conta. Por outro lado, a boa notícia do cessar-fogo entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza ainda não está avaliada.

Inicialmente um termômetro dos riscos de uma guerra nuclear —algo relembrado ao mundo com o Prêmio Nobel da Paz dado em 2024 a uma ONG dedicada ao tema—, o Relógio passou em 2007 a colocar na equação os efeitos da crise climática, associada às emissões industriais de carbono e outras ações do homem na natureza.

Os resultados são visíveis, como as enchentes no Rio Grande do Sul ou os incêndios em pontos com a Califórnia mostram. O ano de 2023 já havia sido o mais quente no registro da série histórica com medições científicas, em 1850. "Em 2024, foi mais quente ainda", disse Holz.

Durante a Guerra Fria, apesar da doutrina MAD (destruição mutuamente assegurada na sigla em inglês, que também forma a palavra "louco") entre Estados Unidos e União Soviética, o mais perto que o ponteiro chegou do fim foi em 1953, marcando dois minutos para a meia-noite.

A crise mais famosa do período, a dos mísseis soviéticos em Cuba de 1962, levou os ponteiros para um de seus níveis mais baixos, 12 minutos para a meia-noite, porque o Boletim considerou que sua solução inaugurou uma era de maior comunicação entre os rivais nucleares.

O ponto mais distante do fim do mundo no Relógio foi em 1991, ano em que União Soviética implodiu sem uma guerra generalizada e o mundo entrou em uma fase de mui relativa paz global por quase uma década, com as exceções de praxe.

Com a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, o ajuste passou a ser anual, já em 2015. Do ponto de vista de geopolítica pura, a marcação deste ano aponta para a continuidade da guerra na Ucrânia, invadida pela maior potência nuclear do mundo em 2022, e pelo choque entre Israel, que tem ogivas nucleares, e seus rivais regionais —Irã, que tem pretensões atômicas, à frente.

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A surpreendente chegada ao mercado do DeepSeek, o programa de IA generativa chinês, que derrubou as ações tecnológicas americanas na segunda (27), também foi objeto de comentários. Para o Boletim, o evento reforça a necessidade de controle global sobre tais tecnologias.

"Eu acho que os chineses demonstraram, assumindo que as alegações [sobre as capacidades do DeepSeek] são válidas, que esta não é uma corrida de um só lado agora, que os EUA não estão sozinhos", disse Herb Lin, membro do painel e professor na Universidade Stanford (EUA).

Especialista em tecnologia, Lin disse que "muitos se preocupam com a IA tomando conta de armas nucleares, mas nenhum país fala em fazer isso". "O risco da falta de controle e da desinformação é muito maior", disse.

Ainda assim, alinhavando crises que vão de incêndios à surtos de gripe aviária, passando pelo rol de guerras ativas, o Boletim em seu relatório de 2025 volta à origem nuclear e antimilitarista em suas conclusões.

"Os EUA, a China e a Rússia têm o poder coletivo de destruir a civilização. Esses três países têm a responsabilidade primária de trazer o mundo de volta do precipício", diz o texto. Russos e americanos somam 90% das ogivas do mundo, mas chineses têm expandido velozmente seu arsenal.

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