Sempre cheguei atrasado.
Aos 11, descobri o prazer quando todo mundo já sabia de cor.
Um menino perguntou: já bateu uma? Claro, respondi, sem fazer ideia do que era. Será que todo mundo bate igual? Perguntei disfarçando a ignorância e interessado em saber como funcionava o mecanismo. O prodígio explicou, cheio de marra, experiente. E emendou: já gozou? Óbvio, menti de novo. Saiu fino ou saiu grosso? Grosso, disse na bucha, também sem saber do que se tratava.
Retardatário, corri para casa para experimentar a novidade já velha entre os moleques da rua. Acostumei chegar por último, como na corrida da competição escolar com mil meninos, conhecido como o dia que perdi a banda de um tênis na lama e passei dez minutos procurando para só, então, continuar na corrida.
Aos 16, confrontei-me com o amor. Veio em forma aquosa, escorregadia, mel cristalino a jorrar de fonte viva, a pérola da ostra.
Da mesma idade, a mocinha me chamou para o aniversário dela e, no apagar das luzes, quando todo mundo foi embora, me imprensou na escada. Beijos ferozes, peitos de fora, língua no mamilo, água e sal. Ela conduziu minha mão ao centro do mundo e a realidade me entortou. Para esquerda, explodida na bermuda.
Até então, na minha cabeça, a fronteira final da intimidade era rumo ao matagal de pelos, longos ou curtos, ralos, escuros, como as mulheres das revistas, longe das depilações com cera ou a laser. Os varapaus da minha idade já tinham desfrutado da úmida sensação. Alguns chegaram bem mais longe, penetraram o mistério, gabavam-se. Pelo menos, diziam. Com a língua na minha glote, ela abriu os olhos e viu minha cara de espanto. Entendeu o ineditismo. Passei dias com aquele cheiro na mão, inebriado, drogado, rendido, uns dois dias. Até hoje não sei se o pitiú ficou preso à pele ou minha memória olfativa que recusava a largar o paraíso, um território gigante para explorar.
Sem que eu soubesse, o afeto também estava fora de compasso: dias depois, ela me dispensou por um professor de natação com o dobro da minha idade. Pouco antes, batera humilde no portão de ferro para mais uma sessão, sem saber que havia terminado. Já era tarde e continuei no vício na tardança, que não acabou nunca mais.
Atraso, às vezes, é distração.
Sempre me distrai demais, muitas vezes.
Entre 15 e os 19, era o teatro que me distraia do resto do realidade. Permaneci preso e embriagado naquela fantasia artesanal até que alguém me lembrou do dinheiro. Que dinheiro? O dos boletos. Que boletos? Os da vida adulta. Meu deus, os boletos! Deixei para trás a vida mambembe já com os berros de vagabundo no cangote. Resolvi estudar, apesar da falta de dinheiro. Aos tropeços, esmolando, entrei na universidade. Já passara dos 20, enquanto meus coleguinhas chegaram lá recém saídos das fraldas. Parecia um repetente entre as crianças.
Atraso pode ser medo e idealização.
Como o era sobre sexo, que também chegou a trote de jegue pra mim. Na verdade, na mala de um Gol Mil, quadrado, como minha concepção sobre a intimidade entre as pessoas.
Sonhava com a namorada perfeita para o momento em que o amor viesse e nos arrebatasse. Custasse o tempo que custasse, fantasiava e, ao mesmo tempo, invejava as mil histórias que me chegavam. Fulano comeu a ciclana no banheiro da casa dele, beltrano transou nas férias numa festinha. E aquele que pegou a prima e depois a amiga da prima? Não sei quem está namorando não sei quem, soubeste? Já transam direto, todo dia! Tá vendo aquela ali? Dá pra todo mundo, por que não vai lá?
E eu lá firme no propósito, sem arrumar ninguém que topasse a brincadeira de primeiro amar pra depois se entregar às delícias do corpo, que não fazia uma ideia nítida de como eram, mas deveriam ser ótimas, já que todos estavam se esbaldando, menos eu. Até que fui testado.
A moça bateu à minha porta. Não, não é figura de linguagem. Numa quarta-feira, ao meio dia, ouvi as palmas lá fora. Antes, havia enviado um bilhete. Como não obteve resposta, foi ter com seu objeto de desejo, também conhecido como eu. Contou uma história mirabolante: tinha um tumor no cérebro.
Afoita por viver, queria aproveitar tudo ao máximo, morreria em poucos meses. Me viu passando e resolveu que queria me experimentar. Morava numa vila de quartos na parte mais alta da rua, sozinha, ao lado da velha paixão que me trocou pelo professor. A porta vai estar aberta hoje, basta empurrar, que estarei esperando, ela se insinuou.
Não acreditei, claro.
Era uma mulher magra, uns 20 e poucos anos, branca e de cabelos castanhos escuros, um olhar profundo, insano, nervoso, lúbrico. No canto do olho direito havia uma carne-crescida que me angustiava e tirava a atenção. Não posso, tenho namorada, menti. Ela se chegou pra perto, roçou o sexo contra minha coxa: não me importo. Depois se afastou e tocou meu pau com um dos pés, rindo. Fiquei apavorado, mas ereto. À noite, te esperto, último quarto, a porta aberta.
Nunca fui, nem a vi mais.
Castidade intacta até o dia do Gol Mil, de um amigo, que minha pobreza não permitia posses. Era o povo do teatro em festa. Aniversário de um membro da trupe. Silvia e eu aos beijos, no porta-malas, que, na verdade, havia sido adaptado como carroceria. Quando chegamos ao bar, todos desceram. Exceto nós dois. Entre mãos e laços, línguas e amassos, desisti do amor ali mesmo. Primeiro a boca. Ah, Jesus, me perdoe — ainda era católico. Quando ela tirou quase toda a roupa e afastou a calcinha, ainda lembrei dos meus votos. Ah, como é quente o inferno de maravilhas. Quase duas décadas para chegar lá.
Houve outros: comprei um carro aos 31, saí de casa aos 35, casei aos 38, descasei aos 39, conheci a solidão real e oficial aos 40, quando larguei as tralhas para trás e atravessei o oceano para encontrar uma multidão que já havia chegado primeiro.
São tantos que nem os chamo mais de atrasos. Talvez eu tenha sido um quelônio em outra vida. Quieto, lento, na beira de um rio por 300 anos de aventuras, infortúnios e sobrevivência. A casca dura e olho atento. Ou um elefante, que só se adianta quando quer. Devagar e pesado, que olha tudo e não esquece nada.
Hoje vejo os que correm. Vinte anos, trinta anos, às vezes, cedo demais. Como correm os jovens, ansiosos, angustiados. Já eu puxo o freio de mão, sem pressa, paro na beira da estrada, olho em volta, aproveito a paisagem, abro uma cerveja. Pra onde vão? Sabe lá.
Continuo no caminho, agora andar cansaço, observo os rastros, sem agonias de futuro, que, se chegou, nem dei conta. Ou talvez o tenha visto por aí, nos períodos em que me adiantei para marcar um passo que nem meu era, para acompanhar quem mal conhecia e atingir uma linha de chegada com um troféu que nunca quis.
Anderson Araújo é escritor e jornalista da equipe do DOL. Escreve às sextas.
A crônica de hoje foi publicada originalmente no blog do autor, o Daqui te Escrevo.
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